Por dentro de uma prisão domiciliar: como é, proibições, permissões e quem tem direito?

O Brasil é hoje o quarto país com a maior população carcerária do mundo, de acordo com pesquisa do Centro Internacional de Estudos Prisionais (ICPS), do King’s College, em Londres.

São mais de 711 mil presos, segundo dados de 2014, divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Dentre eles, 147.937 pessoas estão na chamada “ prisão domiciliar”. Mas, afinal, o que é essa tal prisão e por que ela existe? Entenda a seguir.

Tipos de regime prisionais

Quem comete um crime tem sua punição definida pela justiça. Existem três tipos de regime possíveis: o fechado, o semiaberto e aberto. Nos três casos, a prisão na residência particular do detento pode ser aplicada.

No regime aberto, por exemplo, no qual a pena é de até 4 anos, o preso fica nas casas de albergado, em presídios de segurança mínima ou estabelecimento parecido, onde dormem e permanecem durante os finais de semana.

Já no semiaberto, cuja pena deve ser entre 4 e 8 anos, o detento fica em locais coletivos, como colônias agrícolas, industriais ou similares. São locais cujos padrões de segurança são menos rigorosos, onde o preso tem uma espécie de liberdade vigiada.

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Segundo a lei nº 7210, de 1984, conhecida como a Lei de Execução do Código Penal, no regime fechado, a execução da pena (maior de 8 anos) deve ser cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média. Ou, apenas em casos específicos, em prisão domiciliar.

O regime de prisão domiciliar pode ser determinado tanto quando a pessoa já está cumprindo alguma sentença ou quando está aguardando julgamento, na chamada prisão provisória.

Quem pode ficar em prisão domiciliar?

De acordo com o artigo 117, a prisão domiciliar só é admitida para aqueles com mais de 70 anos, doentes graves, filho menor ou deficiente físico ou mental, ou estiver gestante. A exceção a esses requisitos acontece no caso de falta de vagas.

E quando não tem vaga?

O déficit de vagas no sistema carcerário é de cerca de 354 mil. Se contarmos o número de mandados de prisão em aberto, de acordo com o Banco Nacional de Mandados de Prisão (373.991 pessoas) , a população carcerário do Brasil saltaria para 1,089 milhão de pessoas, diz o conselheiro Guilherme Calmon, do CNJ.

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Um levantamento de 2014 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, informa que o país conta com apenas 64 unidades de casas de albergado – 57 masculinas e 7 femininas. Atualmente, só há disponibilidade para 0,1% de vagas.

E quando não tem vaga nos locais onde ele deveria ficar retido, de acordo com o regime que deve cumprir, ele é encaminhado a sua própria casa, configurando a prisão domiciliar.

Por falta de infraestrutura adequada, o conselheiro da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP), Sério Shecaira, acredita que isso fez com que o número de prisões domiciliares no país aumentasse.

“Nos governos de Orestes Quércia e Luiz Antônio Fleyry Filho (ex-governadores do estado de São Paulo entre 1987 e 1995), houve uma diminuição significativa de ofertas de casa de albergado. Então se formou uma jurisprudência em que passou a ser direito receber o albergue domiciliar”, explica o professor de direito penal da Universidade de São Paulo.

Como funciona a prisão domiciliar

Os detentos podem sair para trabalhar e fazer cursos durante o dia, e retornam à noite para dormir e passar os dias de folga (inclusive finais de semana). Mas não pode se ausentar para mais nada sem autorização judicial. É preciso comparecer a Juízo para informar e justificar suas atividades sempre que for determinado.

Outras restrições como visitas, telefonemas e acesso aos meios de comunicação costumam ser liberados, mas variam de acordo com a pena aplicada a cada caso. “Existem detentos que precisam ficar a distante de possíveis vítimas”, por exemplo, explica Tamires Melo, assistente técnica judiciária do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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Ela conta que existe um auxílio reclusão, um benefício da previdência social, destinado a pessoas de baixa renda, que trabalharam e contribuíram com o INSS antes de serem presas e punidas dentro dos regimes fechado ou semiaberto. O valor é de R$ 1212 e sua finalidade é ajudar no sustento da família.

Em tese, não há prazo específico para a duração da prisão domiciliar. Pode durar o tempo necessário até a definição da pena e depois costuma ter o prazo máximo igual à duração da pena final.

“Mas o grande problema da prisão domiciliar é a fiscalização”, pontua Tamires. “Eles são pegos em irregularidades apenas se, por azar, são surpreendidos por policiais na rua, que fazem pesquisas dos antecedentes criminais”, completa.

Tornozeleira usada para fiscalização e controle

Para melhorar a fiscalização e controle, em alguns casos, se aplica também o uso de tornozeleiras e braceletes eletrônicos, ainda que seja em pequena escala, definida para casos específicos mais graves, como em alguns acusados da operação Lava Jato, por exemplo.

A monitoração eletrônica “não vem se configurando como uma alternativa à prisão, mas sim como um instrumento aliado aos movimentos de controle social e do poder punitivo”, define o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

O artigo 146-B, da Lei de Execuções Penais, determina que a tornozeleira pode ser usada nas hipóteses de prisão domiciliar e saída temporária, com a pena já definida, dentro dos regimes aberto ou semiaberto.

Segundo dados do programa, há cerca de 18.172 pessoas monitoradas com dispositivos eletrônicos, sendo 88% homens e 12% mulheres.

Esses equipamentos custam em média de R$ 167 e R$ 660, menos da metade do custo médio de um preso, que gira em torno de R$ 1500, segundo dados do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da Universidade de São Paulo.

“A tornozeleira eletrônica, mais que uma pena alternativa, é uma nova forma, mais controladora, de cumprir a velha pena”, explicou Joyce Serra, pesquisadora de direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

“Ela é um mecanismo de controle utilizado durante as saídas temporárias e prisões domiciliares, situações de cumprimento de pena privativa de liberdade em que o controle estatal sob o detento diminui consideravelmente”.

Como funciona?

Quem é obrigado a usar a tornozeleira não pode tirá-la para nada – nem para dormir, nem para tomar banho. Se a Justiça determinar uma área restrita, por exemplo, o dispositivo vibra por conta da sua tecnologia de GPS, e emite sons de alerta. A partir dessas vibrações, a central de monitoramento é acionada, dando início à vistoria do equipamento.

Além da localização, elas contém informações pessoais, horários restritos e áreas de inclusão e exclusão, definidos pelos juízes.

Na maioria dos casos, os sistemas de monitoramento preveem limites territoriais. O monitorado só pode circular em determinados locais, de acordo com o que ordenado pelo juiz: “O raio da exclusão pode variar de 250 a 5 mil metros, o que implica violações constantes no sistema de monitoramento”, descreve o Pnud.

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Se algum condenado que usa tornozeleira tentar cometer algum delito, o equipamento emite uma sinalização, a partir do cruzamento de dados sobre locais e horários de crimes. Os policiais responsáveis usam o Google Street View para identificar se uma pessoa está fora da área determinada pela justiça.

“Eles dizem que é como se tivessem a chave da cadeia na mão, mas sem poder sair”, define o Pnud sobre a sensação de falsa liberdade dos presos que utilizam a tornozeleira.

“As tornozeleiras não são punições brandas”, defende Joyce. “Se bem operacionalizadas e aplicadas de acordo com as restrições da lei, elas podem ser um excelente instrumento de controle estatal”.

Já para Sheicara, o uso do dispositivo para substituir o regime aberto “é uma grande bobagem”, Porque ela não demonstra nada, não é uma pena. Uma pessoa que cumpre regime aberto tem que circular livremente, procurar seu trabalho, ir para casa, ou na casa de albergado, e conviver em sociedade”.

* Colaborou Tiago Ferreira

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