Rosiska de Oliveira e o tempo para ser mulher > Rosiska mulher

Bolsa de Mulher –O que é o feminino?

Rosiska Darcy de Oliveira – Eu acho que é uma definição muito difícil o que é ser feminina porque há tantos tipo de mulher, há tantas possibilidades de ser mulher que, na verdade, acredito que as mulheres estão com a autoria do feminino hoje e não o inverso. Houve um tempo que essa definição era dada, em geral, não pelas próprias mulheres mas muito mais pelo olhar masculino. Hoje você tem uma liberdade, uma opção muito maior. Então, você tem tantos tipos de feminino que é difícil dizer o que é o feminino. Eu acho que feminino é aquilo o que cada mulher pensa sobre si mesma.

BM – Você é casada? É mãe?

RDO – Sou casada há muitos anos e não tenho filhos por escolha. Eu não quis ter filhos e não tive, embora, na época, uma escolha desse tipo fosse uma coisa impensável.

BM – Você é casada com o cartunista Miguel Paiva?

RDO -Não, isso é uma grande confusão. Eu não sou casada com ele. O Miguel Paiva é um grande amigo meu e fez vários livros comigo, fundamos há muito anos, na época que cheguei ao Brasil, a revista Maria sem vergonha. Ele é um amigo muito querido e o nome do meu marido é também Miguel. Então, há uma certa confusão em torno disso. Mas o Miguel Paiva é muito querido, foi uma pessoa com quem eu trabalhei e com quem fiz coisas muito boas. Já trabalhava com ele no período de exílio, quando morava em Genebra, Suíça. Ele era muito jovem nessa época. Foram 15 anos fora do Brasil. Quando voltamos para o Brasil, criamos uma revista chamada “Maria sem vergonha – de ser mulher”. O título tinha uma marquinha escrito “de ser mulher”. Era uma revista muito divertida e que tinha texto e ilustração.

BM – Você trabalha junto com teu marido?

RDO – Nós trabalhamos muito tempo juntos, inclusive no CELIM. Trabalhamos também separados, sou professora licenciada do Doutorado de Literatura da PUC. Enfim, eu tenho a minha vida muito própria. Nós fomos também exilados juntos no mesmo processo. Ele é diplomata.

BM – Você se considera uma pessoa feliz?

RDO – Eu me considero feliz. Eu acho que a felicidade, como o feminino, é uma coisa de difícil definição. Mas eu acho que gozo talvez de uns dos trunfos da felicidade que é a liberdade. Eu me considero uma pessoa bastante livre, senhora das minhas opções. Eu conquistei essa liberdade, ninguém me deu. A minha sociedade e a minha origem não me davam. Eu venho de uma família burguesa e católica. Pesavam sobre mim, portanto, todos os preconceitos clássicos de uma família burguesa e católica. Consegui, com bastante esforço, conquistar essa escolha cotidiana, essa possibilidade de não ser um modelo, não ser uma imagem clássica, nem de mulher, nem de intelectual, nem de política. Eu sou um pouco disso tudo sem ser totalmente nada. Por exemplo: nunca fui membro de um partido político e a vida inteira estive ligada em causas políticas.

BM – Por que você não foi membro de partidos políticos?

RDO – Não fui membro por opção porque não acredito em partido político, eu acho uma coisa totalmente anacrônica, acho a forma mais antiga de política. Eu me opus à ditadura, participei da resistência, fiz e faço movimento de mulheres. Eu quero um enorme bem ao Brasil e espero muito pelo Brasil. Tenho procurado ajudar a sociedade brasileira mas nunca entrei num partido político. Em 1984, inclusive, pedi demissão do cargo de professora da Universidade de Genebra porque queria voltar para o Brasil. O reitor nunca tinha visto alguém fazer isso, era um emprego muito bom.

BM – Você conhece pessoalmente a Marta Suplicy?

RDO– Ela é minha amiga de muitos anos. Estamos em posições políticas diferentes, mas eu torci muito por ela nas eleições. Eu estou torcendo por ela no governo de São Paulo. É preciso que as mulheres se mostrem estadistas. Estive com ela em Washington na reunião das mulheres líderes da América.

BM – Qual é teu sonho?

RDO – Tenho um sonho e estou tentando realizá-lo. Tenho um sonho de vida. Eu queria dispor completamente do meu tempo. Eu queria não ter meu tempo hipotecado obrigatoriamente a nada. Eu queria poder escolher os meus dias ao acordar. Eu acho que isso é a verdadeira liberdade. A verdadeira liberdade é você poder, ao sabor da vida, viver a vida. Talvez seja um fator de idade, a partir de uma certa idade você começa a perceber que o seu tempo de vida diminuiu fatalmente, quer dizer, você tem um limite, não é? Porque eu nunca tinha percebido isso, eu continuo tendo 15 anos (risos). Eu costumo dizer que eu tenho 15 anos há muitos anos – e continuo tendo – mas agora eu começo a me dar conta que isso não é verdade e que, na melhor das hipóteses, eu viverei até os 90 anos e isso porque eu me coloco um limite. Ora, esse limite da vida e o limite das 24 horas do dia me deixa, pro meu gosto, pouco tempo de vida. Eu gostaria de ter muito mais, eu gosto da vida. Então, eu não quero mais dar o meu tempo à nada que não seja escolhido por mim. Isso está me fazendo um pouco intolerante às chamadas obrigações sociais, não tenho vontade de cumpri-las, não tenho vontade de fazer trabalhos que não estejam no horizonte do que eu considero importante. Por isso mesmo eu parei uma grande parte das minhas atividades e me concentrei na escrita. Eu sou escritora e é isso que gosto de fazer e é isto que estou fazendo. Eu publiquei recentemente o livro “A dama e o unicórnio”.

BM – Que tipo de música você gosta?

RDO – Gosto de música popular. Eu gosto imensamente da poesia do Caetano Veloso, adoro Chico Buarque, gosto do ritmo e a música do Gilberto Gil e adoro a voz da Maria Bethânia e da Gal Costa. Até aí, eu estou quase nos Doces Bárbaros (risos). São pessoas da minha geração e, nesse ponto, eu fiquei muito presa a isso. Eu não gosto nem de falar muito de “estar presa” ou “não estar presa” e “geração” ou “não-geração” porque eu tenderia a achar que não apareceram outros compositores do porte do Gil ou Caetano. Eu acho que as novas gerações não deram compositores desse porte, no meu entender, mas isso pode ser uma opinião datada.

BM – Como foi o início de sua carreira?

RDO – Eu me formei em Direito na PUC mas nunca trabalhei como advogada, sempre fui jornalista. Era jornalista, trabalhei na revista “Visão”, na TV Globo e no Jornal do Brasil até que fui para o exílio com 24 anos e só voltei com 39.

BM – Esses 15 anos de exílio foram dedicados ao trabalho, ao estudo?

RDO – Foram dedicados, fundamentalmente, a viver em todas as dimensões. Eu trabalhei, fui professora da Universidade de Genebra durante dez anos. Fiz também um doutorado e viajei imensamente, corri mundo, fui a todos os continentes, aprendi várias línguas, conheci pessoas fascinantes que me formaram, fiz amigos de várias nacionalidades e que considero um capital afetivo extraordinário porque você aprende o relativismo, aprende que há muitas maneiras de ser humano e não necessariamente o brasileiro é o modelo do bem e da perfeição. O humano não tem fundo, o humano é um mergulho numa experiência extraordinária da criação. No período do exílio, gastei mais meu tempo no conviver com gente e isso me deu uma grande alegria. Por isso, considero o período de exílio riquíssimo. Não vou dizer que foi bom porque você pode imaginar que é uma privação de liberdade, é um sentimento de injustiça, mas têm aspectos incrivelmente positivos e eu acho que tirei o proveito maior que eu poderia tirar desse período.

BM – Cite uma mulher inteligente.

RDO – Poderia te citar várias. Vamos pegar uma escritora, Carmem Oliveira, autora do livro “Flores raras e banalíssimas” (editora Rocco).

BM – Lucy Barreto revelou que pretende filmar a história de “Flores raras e banalíssimas”.

RDO – Exatamente. O livro conta a história da Lota Macedo Soares e da Elizabeth Bishop. Carmem Lúcia Oliveira é uma mulher brilhantemente inteligente.

BM – Que livro você está lendo?

RDO – Eu estou gostando muito do livro “A república dos Bugres” (Editora Rocco), do Ruy Tapioca. Estou achando um livro interessantíssimo, muito bem escrito. Que mais? Eu leio tanta coisa ao mesmo tempo. Estou lendo alguns livros que não são em português e estou lendo vários livros sobre tempo, que é o tema que está me obcecando e sobre o qual estou escrevendo também. Eu acho que as mulheres pisaram numa grande armadilha.