Barbada: o metrô ganha a corrida.
E passa com todas as suas composições, carros só para mulheres, advogados com maletas de couro, estudantes com mochilas pesadas, grávidas de sete meses, mulheres lendo livros de mais de três dedos de lombada, senhoras de regime, bancos de cor laranja, toneladas de ferro e banha, grunhindo como uma fera, veloz como o meu coração, por cima do meu celular.
O celular não é só um telefone. É também uma caderneta antiga, porém atualizada, onde estão anotados todos os números dos quais já precisei, por motivos melhores ou nem tanto, ao longo da vida
O celular não é só um telefone. É também uma caderneta antiga, porém atualizada, onde estão anotados todos os números dos quais já precisei, por motivos melhores ou nem tanto, ao longo da vida. É também uma pilha de papéis de carta importados, onde estão escritos com letra de forma os meus mais queridos e inapagáveis torpedos. É também um espesso álbum de fotos de viagem, da lua, da praia de botafogo, do beija-flor, das unhas dos pés, de beijos, abraços e pedaços da minha vida e dos amigos íntimos. Ainda, o celular carrega em suas costas um chip frágil e indefeso, que guarda tudo isso.
Ver o trem passar foi como embaralhar todos os números de telefone sobre uma mesa de baralho, rasgar os torpedos em pedaços de menos de um centímetro, pisar nas fotos com salto agulha e incinerar o chip. Tudo ao mesmo tempo.
Depois de cinco, sete carros, o segurança chegou. Para minha sorte, o celular continuava aberto, ligado, bravo na luta pela sua sobrevivência – e pela minha. O segurança vestiu o xis fosforescente, me explicou que esperava um OK pelo rádio para que pudesse pescar, com um gancho, o celular. Foi nessa hora que me dei conta de que a força do metrô da cidade inteira seria desligada, que maridos chegariam atrasados para o jantar, e que alguém perderia o elevador, o encontro casual com o ex na esquina, o último pedaço de torta da vitrine, o final da novela, que o destino de milhares de pessoas seria outro porque o meu celular havia caído no buraco do metrô.
O segurança pegou o celular sem maiores dificuldades. Disse “missão cumprida” via rádio, pediu meus documentos e, depois, que eu assinasse um papel que não li.
Enfiei o celular dentro da bolsa e fechei o zíper. Por garantia, dei dois tapinhas no couro. Agradeci ao segurança e pedi desculpas pelo transtorno. Ele esticou os cinco dedos compridos, dessa vez em tchau. O Mr. Pêlos já tinha ido embora há muito. E enfim pude seguir a vida, por debaixo dos seus pés.