Seu filho é dez

A sociedade, o mercado de trabalho e cada indivíduo têm essa necessidade, quase instintiva, de classificar, separar e dividir. Estamos sempre atribuindo números e quantificando como forma de avaliar. Os vestibulares e os concursos elegem os mais bem pontuados. E, sorte dos que marcam suas cruzes apropriadamente… Pontos, cargos e oportunidades para os que respondem, adequadamente, ao que lhes é exigido.

Corremos atrás de números, contas bancárias, PIS, Pasep, Megasena, cifrões. Somos um amontoado de números almejando mais e mais. Porém, sempre que classificamos as capacidades dos indivíduos, atribuindo números e valores, incorremos em possibilidade de erro e injustiça. Conduzimos à desesperança e ao estigma quando restringimos o desabrochar de potencialidades.

Mas, inteligência? Admito, nunca fui capaz de distinguir um QI 50 de um 70

A heresia da desconfiança dos números. Meu pecado. Acreditar que existe em cada um de nós uma brecha que, uma vez alcançada, é capaz de se abrir e florescer é a minha quimera. Esta abertura para o conhecimento do mundo, para o desenvolvimento pessoal deve ser, portanto, o escopo de todos os profissionais que trabalham com pessoas que, a princípio, não respondem da mesma forma que a maioria. Buscá-la é um exercício na contramão da mediocridade.

No início da minha atividade profissional, ao receber uma turma para ensinar, ganhava também várias pastas com testes, exames e diagnósticos de cada aluno. Era comum na época. De todas aquelas verdades impressas, atordoavam-me os resultados de QI: 20, 30, 50. O que fazer com esses números?

Confesso que depois de um mês de aulas eu esquecia todos aqueles números pois, na prática, pouco acrescentavam. Não me respondiam quem era o Márcio, a Glória ou o Paulinho. Do que eles gostavam, como podiam aprender melhor? Nada. Mesmo espremidos, lidos de ponta-cabeça diversas vezes, os números pouco fundamentavam as minhas estratégias educacionais.

Quantificar a essência alheia parece-me, até hoje, uma obra surrealista.

Número é número: verdade absoluta! Os diagnósticos – bem mais úteis – ainda poderiam delimitar as áreas de maior dificuldade de aprendizagem, ou me indicar certo cuidado acerca de alguma debilidade orgânica como: convulsões, problemas cardíacos e assim por diante. Mas, inteligência? Admito, nunca fui capaz de distinguir um QI 50 de um 70.

Hoje em dia, vários estudiosos como Howard Gardner se dedicam a vasculhar a nossa capacidade mental, considerando o que chamam de Inteligências Múltiplas. Ou seja, a nossa capacidade musical, pictórica, espacial, lingüística, de relacionamento interpessoal, entre outras, passam a ter nessas pesquisas status de inteligência.

Esta nova visão, que ainda tem muito a avançar, é uma carta de alforria para quem é considerado “abaixo da média”. Os talentos são valorizados, mas não quantificados.

Da mesma forma, também não podemos mensurar o efeito de um carinho, de uma atenção, de um elogio, de um incentivo ou de uma oportunidade para o desenvolvimento intelectual de uma criança. E, graças a Deus, ainda não inventaram um termômetro para o amor.

A você, que tem um filho com deficiência mental ou com alguma dificuldade de aprendizagem considerável, desejo um caminho longe dos números que aprisionam. Desejo que seu filho ou filha receba o olhar de quem vê talentos, alma, essência. E que lhes atribuam o valor, sem medida, do amor.