Se arrumando pra quê?

Alguém já disse que um dos elos mais evidentes entre a raça humana e o resto do mundo animal costuma aparecer na hora de chamar para si a atenção do sexo oposto. Como o pavão que se enche de penas coloridas e enfeitadas quando quer atrair a pavoa do seu desejo, nós também costumamos, mesmo que com recursos menos naturais – como tomando um banho de loja ou reservado horário em algum salão de cabeleireiro -, dar uma melhorada na embalagem quando sentimos que o produto precisa aparecer no mercado. Mas essa simples teoria já o suficiente para descabelar algumas mulheres. É que, para elas, ver seus maridos e namorados dispensando mais do que cinco minutos para a escolha de uma roupa ou puxando um ferro extra na academia já é motivo de sobra para apreensão. Afinal, o que – ou até quem – eles estão querendo com isso?

Foi com essa pergunta que a enfermeira Carolina Coutinho teve de conviver nas noites de muitos fins de semana, quando saía com o namorado Sérgio e um grupo de amigos. “Ele nunca foi desleixado, mas também não era propriamente vaidoso, de ficar escolhendo roupa, arrumando o cabelo. Só que a gente começou a sair muito pra boate, bar, com uns amigos, e ele começou a se enfeitar mais. E ficava lindo, mas eu tinha a sensação de que aquilo não era pra mim”, lembra ela. Até que, um dia, ela resolveu acabar com a angústia e tentar descobrir os motivos reais para o surto de Narciso do rapaz. Acabou descobrindo que, como acontece na maioria dos casos de ciúme da vaidade, ela estava procurando cobra em buraco de tatu. “Perguntei, meio na brincadeira, ‘tá se arrumando pra quem?’. Ele ficou surpreso com a minha insegurança, até com a minha vontade de conversar sobre o assunto, com o fato de eu estar em crise com aquilo. Notei que era besteira, percebi que ele estava se arrumando pra ele mesmo, para se sentir bonito. Quando a gente casa, é natural se despreocupar com essas coisas. Dá até pra notar, numa boate, por exemplo, quem é casado ou quem é solteiro pelo modo com que está arrumado”, acredita Carolina.

O psicólogo da USP Ailton Amélio de Souza, especialista em relacionamento amoroso, revela que Cláudia tem até um pouco de razão em sua tese. “A gente se acomoda quando está nos padrões do grupo. E, num casal, a preocupação com a vaidade vai diminuindo com o tempo. Mas o que possivelmente assusta é que um parceiro mais bonito é mais atraente, portanto com valor de mercado mais alto”, explica ele. Foi exatamente esse aumento na cotação que apavorou a namorada do analista de sistemas Alexandre Quirino. “Ela chegou a me pedir textualmente pra eu parar de ir à academia. Ela tinha parado também quando começamos a namorar e ficou dizendo que era besteira, que a gente podia aproveitar aquele tempo da malhação pra namorar”, conta ele, que não caiu na conversa e acabou percebendo a insegurança da moça camuflada nesse discurso apaixonado. “Acho que até hoje ela não gosta muito quando fico olhando meu corpo, dizendo que preciso diminuir a barriga ou ganhar mais massa. Ela diz, ‘se eu estou satisfeita, vai mudar pra quê?’. Não entende que é uma coisa minha, não é pra chamar a atenção da mulherada”, diz Alexandre, reconhecendo, no entanto, que esse efeito vem por tabela e que, por isso, no fundo, sua namorada não é tão neurótica assim.

Mas, para a psicóloga Ângela Marigny, o que mais incomoda as mulheres quando percebem que seus maridos e namorados andam tirando uma de pavão é o que ela chama de mudança no vínculo. “A mulher, a princípio, não consegue entender como um cara, que era um acomodado, resolve voltar a atenção para ele e tirar atenção dela. É um sinal claro de insegurança e imaturidade”, afirma ela. Essa postura masculina, no entanto, não significa necessariamente um desejo de se afastar da relação. “O que acontece com a maioria dos homens é uma necessidade de sair do papel de paizão. Existem casais que não conseguem estabelecer uma relação de homem e mulher e alternam papéis de pai e filha e mãe e filho. Esse movimento de voltar a atenção para si acontece provavelmente pelo desejo de ser amado como homem”, acrescenta ela. E esse é um problema que não se resolve com insegurança. Muito pelo contrário.