A prova do Detran

Escolho um quiosque e peço um suco de melancia. Não tem, avisa o garçom de bigode grisalho. Em seguida, ele traz um copo longo, canudo listrado, cheio até a borda de limonada suíça. Algo mais? Sim, por favor, escreva aqui nesse papel um ou dois parágrafos para esta coluna.

Lagoa. Quarta-feira. Dez horas da manhã. Tomo banho, seco o cabelo e escolho uma blusa de cor forte. Passo longas camadas de rímel, blush, batom, experimento três até escolher o brinco adequado. Tudo para sair bem na foto que vai me acompanhar pelos próximos anos, na carteira de motorista – preocupação justificada mediante espiadela na fotografia do documento vencido.

O guarda não alivia: você sabe qual é a penalidade para o motorista que dirige com carteira vencida há mais de trinta dias? Sim, senhor: infração gravíssima, multa de 180 UFIRS, sete pontos, recolhimento da carteira e apreensão do veículo

Largo do Machado. Onze e trinta e cinco. Estaciono em local proibido, apresso o passo até a papelaria da esquina e tiro cópia de comprovantes de que não vou precisar, mas nesse momento ainda não sei. Debaixo do sol quente, minha franja começa a grudar na testa. A blusa de cor forte, no entrepeito. Quando a mocinha do Detran me aponta o local onde são tiradas as fotos, procuro um espelho nas paredes entorno. Em vão. Penteio com os dedos a franja suada. A mocinha do Detran olha para o teto. Lamento em voz alta a ausência de um espelho. Ela não se sensibiliza. Pergunto se posso rir. Não pode. Ela boceja e acusa meu ombro direito de ser mais alto que o esquerdo. Detesto a mocinha. Ela faz o clique. Aposto como saí com cara de eu-odeio-você. E com a franjinha colada na testa.

Lagoa. Mesmo dia. Hora de dormir. Pego o livreto do Detran. Ele é feito de papel jornal. Cheiro. Não gosto. Estudo as regras da direção defensiva, os deveres do bom motorista e decoro os primeiros-socorros. Das trinta perguntas do primeiro simulado, erro nove. Preciso saber quantas tenho que acertar para garantir a carteira.

Leblon. Dia seguinte. Três e meia. Falo no celular ao volante. Do lado de lá, minha mãe. Mãe, a força centrífuga joga o carro para dentro ou para fora da curva? Para fora, filha. Por quê? Estou indo fazer a prova do Detran. Lembra da máquina de lavar roupa: depois que centrifuga, o lençol é arremessado nas paredes do tambor.

Gávea. Dez minutos depois. Assino. Aperto o polegar contra a luz vermelha. Desligo o celular. A mocinha do Detran me acompanha até o computador de número seis. Centrífuga: para fora. Me informa que tenho uma hora para completar a prova. Centrípeta: para dentro. Pergunto quantos erros posso ter. Nove. Sim, tem que pagar outro DUDA no caso de reprovação. Gasto dez dos sessenta minutos disponíveis e conto nos dedos o mesmo número de perguntas cujas respostas me deixaram em dúvida – nenhuma questão sobre centrípeta e centrífuga. Sou encaminhada para outra sala, onde aguardo, com medo, o resultado. Dona Rosana? A mocinha me entrega um papel. Faço leitura dinâmica: parabéns. Franzo o olhos e monto uma rápida regra de três: 27 está para 30 assim como x está para 10, x é igual a nove.

Leblon. Quatro e cinco. Seguro o celular com o ombro direito e tento falar no celular ao volante, mas, do lado de lá, ninguém atende. Preciso contar para alguém que tirei 9. Acelero no amarelo, avanço o sinal e escuto um apito. O guarda me pede a carteira de habilitação. Está vencida. Ele olha a minha foto. O guarda não alivia: você sabe qual é a penalidade para o motorista que dirige com carteira vencida há mais de trinta dias? Sim, senhor: infração gravíssima, multa de 180 UFIRS, sete pontos, recolhimento da carteira e apreensão do veículo. Você já fez a prova para renovação? Sim, senhor, tirei 9.

O garçom pergunta se eu gostaria de alguma coisa. Sim, por favor, um final para a coluna. O garçom puxa o bigode grisalho e anota no bloco de pedidos: pizza.

O guarda me devolve a carteira, pede que eu espere os três dias que faltam para a chegada da nova. Penso na foto com a franja grudada e detesto a mocinha do Detran. O guarda bate duas vezes na lataria do carro e me manda embora. Escolho um quiosque e peço um suco de melancia.