Seu cabelo está lindo!!!

Conhecer pessoas e fazer amigos nunca foi o meu forte.

Em um rápido retrospecto dos últimos trinta anos, reconheço em minha postura certa antipatia – satisfeita com as amizades antigas, não estou muito aberta a fazer novas. Bate uma preguiça: conhecer, ganhar intimidade, entender, conciliar… – não, obrigada. Resultado: feitas as apresentações, digo “prazer” no default, sem sequer fixar o olhar e esforço nenhum para decorar nomes.

Enquanto esfrego o gelo na saia, trocamos nossas primeiras falas: “pra tirar mancha de caneta, é bom passar álcool”, “pra tirar aquela ferrugem, sabe? Que sai da torneira? Passa leite!”

Há, contudo, alguns gatilhos que, disparados, tomam minha atenção de imediato e despertam nesse coração gelado o desejo de tomar mais uma saideira, bater perna no shopping center e falar mal de quem não está presente, enfim, essas coisas que os amigos fazem.

Por exemplo, ontem: lá pelas tantas, ao tentar levantar da cadeira do bar, descobri que meu vestido e, por conseguinte, eu estávamos grudados no acento por um chiclete. Antes que eu pudesse reclamar da minha má sorte e da péssima educação de outrem, a pessoa ao meu lado – para quem eu tinha dito apenas “prazer”, sem ao menos fixar o olhar e tentar decorar o nome – virou-se para mim e disse “passa gelo, que descola rapidinho”.

Plim! Quero fazer amizade com ela.

Enquanto esfrego o gelo na saia, trocamos nossas primeiras falas: “pra tirar mancha de caneta, é bom passar álcool”, “pra tirar aquela ferrugem, sabe? Que sai da torneira? Passa leite!”

Conversamos o resto da noite. Obviamente trata-se de uma pessoa simpática, prestativa, para quem eu posso telefonar, chorando, às duas da manhã.

Há outras situações menos engenhosas que despertam meu interesse para a amizade, sem ser preciso que mais um espírito de porco cole chiclete mastigado no banco. No topo da lista está o uso de elogios às minhas madeixas, seguidos por três exclamações – “seu cabelo está lindo!!!”. Pronto: aquela amiga da amiga, nobre desconhecida, torna-se instantaneamente alguém com quem quero estreitar laços.

Outras frases contendo a palavra “cabelo” podem surtir efeito semelhante. “Como seu cabelo cresceu!!!”, ou “Onde você corta o seu cabelo?” e ainda “Ah, quem me dera ter o cabelo igual ao seu!!!”

“Moro na tijuca” é tiro e queda – garantia de, no mínimo, meia hora de assunto ininterrupto. Pergunto em que rua, onde estudou, onde fez curso de inglês, “já comeu o bolo de chocolate do xodó de minas?”

Nos últimos dois dias, fui surpreendida duas vezes pelo seguinte gatilho. “Sempre leio a sua coluna no Bolsa de Mulher”. Oi, rapazes! Que bom que vocês vieram. Sim, há leitores do sexo masculino do lado de lá da tela cor-de-rosa do Bolsa. Pelo menos, dois, dois homens que não se conhecem e nada têm a ver um com o outro. No final da frase, se tornaram meus melhores amigos em potencial.

Resta saber se essas pessoas prestativas, simpáticas, gentis, tijucanas e que, ainda por cima, lêem as minhas colunas, se esses seres especiais aos quais ofereço minha amizade eterna vão lá querer ser meus amigos. Sei não…