Dizem que os odores aguçam os outros sentidos e funcionam como verdadeiros trampolins para puxar da lembrança uma série de sensações. Longe de ser papo de vendedora, essa teoria foi confirmada recentemente pela neuropsiquiatra Raquel Herz, do Monell Chemical Senses Center, em uma matéria publicada na revista americana Time. Segundo ela, todos nós temos a memória olfativa mais forte que a visual ou até mesmo a auditiva. Na verdade, quem tem uma relação íntima com os perfumes já sabe disso há muito tempo. Mais do que um acessório do dia-a-dia, eles fazem parte da personalidade e funcionam, assim como alguns gestos e expressões, como verdadeiras marcas registradas de quem os usa.
Segundo o perfumista Hernan Figoli, do laboratório Quest, responsável pelos perfumes e colônias da Natura, existem hoje cerca de 14 famílias olfativas. “Cada família dessas tem centenas de matérias-primas com características próprias. Laranja, por exemplo, tem a laranja brasileira, laranja da terra, várias. Por isso, é impossível conseguir um perfume exatamente igual a outro. É como a personalidade das pessoas”, compara. Cada perfume é formado por notas de cabeça, de corpo e de fundo. O segredo para escolher o produto certo é estar atenta a esse pequeno mas fundamental detalhe. “As notas de cabeça são as que duram mais ou menos quatro minutos depois da aplicação. Elas em geral são mais cítricas. Depois desse tempo, vem a fragrância, que perdura por duas horas. Aí, entram as notas de fundo, que servem para retardar a volatização do perfume, ou seja, pra fixar”, explica Hernan.
Na loja, o primeiro passo para não se enganar na compra do perfume é experimentar o produto naqueles famosos cartõezinhos de papelão. Só então ele deve ser aplicado no corpo, de preferência na região dos pulsos ou atrás da orelha, onde a temperatura é mais alta. Depois, é hora de olhar vitrines e só então voltar à loja para levar o escolhido. “Esse tempo é essencial para que a fragrância atue. É muito comum uma pessoa sentir o perfume de outra, gostar, comprar um igual e detestar o resultado em si. Cada pele, de acordo com a sua oleosidade, provoca no produto uma reação química diferente que vai alterar o odor”, explica Hernan. Ele também adverte que só devem ser experimentados na pele, no máximo, dois perfumes diferentes. Mais que isso, as fragrâncias se confundem e o resultado, na melhor das hipóteses, acaba sendo uma boa dor de cabeça.
Traduzir em aromas as características da personalidade de alguém é um trabalho que exige extrema sensibilidade. Cecília Pires, do laboratório Givaudan, responsável pelos perfumes da Água de Cheiro, explica que fragrâncias cítricas e florais, como o recém-lançado Mirror, por exemplo, são mais indicadas para pessoas de comportamento suave e discreto. “Já quem gosta de marcar presença acaba optando por perfumes amadeirados, que têm odor mais forte, como o Fire.Spalla. No nordeste, por exemplo, eles são os preferidos”, conta. Por isso, ao elaborar um perfume, o perfumista precisa conhecer muito bem o mercado e o perfil do seu público e, nisso, a idade também conta. “As mulheres mais jovens preferem fragrâncias mais frescas e doces, como o Angel, do Thierry Mugler”, garante Hernan. Outro bom exemplo disso é o recém-lançado Capricho, do Boticário, para o público adolescente, com notas de saída em menta e frutas vermelhas.
Segundo Cecília, estar atento ao clima do país também é importante. Por isso, alguns perfumes importados acabam não fazendo sucesso por aqui. “Alguns deles são criados para um clima frio e suas essências se alteram no calor”, explica. Falando em perfumes estrangeiros, afinal, por que eles são tão diferentes dos nacionais? Herman Figoli responde: “Os importados são mais concentrados nos óleos essenciais, isso dá uma certa diferença na textura dos aromas e cada casa trabalha com materiais exclusivos, que funcionam como uma espécie de assinatura da marca, presente em todos os perfumes. Além disso, como acontece com a moda, são as grandes perfumarias internacionais que ditam as tendências para o resto do mundo”, afirma.
Como se não bastasse a imensa variedade de marcas e fragrâncias, a maioria dos perfumes subdivide suas nuances em versões masculinas e femininas. Divisão essa que, segundo Paula Pereira, proprietária de rede de lojas de cosméticos Shampoo, não vai muito além das embalagens. “De uns dez anos para cá, cresceu muito o número de mulheres que passou a optar pelos perfumes masculinos. A indústria da perfumaria já percebeu isso e está diminuindo as notas mais doces nos produtos”, garante ela. Uma prova disso está nas vendas de sua loja, em que versões masculinas de perfumes como o Eternity e o Issey Miyake acabam saindo mais nas mãos de mulheres do que de homens. “Eu, por exemplo, usei durante muito tempo. Mas meu marido começou a implicar e voltei pros femininos. Mas mesmo estes estão bem menos doces atualmente”, conta.
No Brasil, as coisas não estão diferentes. A Natura lançou o Ekos Colônia Igarapé, uma colônia com óleos essenciais de laranja, limão, gengibre, cravo e cedro. O Boticário também trouxe em sua nova coleção o Tarsilla, centrado em essências cítricas como a pêra e a laranja, e amadeiradas, como o sândalo, além do Glamour, com notas de cedro, mandarino e ameixa. Mas isso não quer dizer que o tal perfume de mulher esteja com os dias contados. Afinal, perfume é personalidade: mudam algumas notas, mas a essência fica.