Dengue, nos anos 1930 e 40, não era conhecida, muito menos chikungunya ou zika. Mas, não era o melhor dos tempos: a saúde pública lutava contra a proliferação da febre amarela numa operação de guerra. E um de seus principais transmissores é um mosquito bem conhecido nosso: o aedes aegypti.
O médico bacteriologista Oswaldo Cruz foi um de seus principais combatentes: entre 1902 e 1907 ele instituiu as chamadas ‘ brigadas sanitárias’, com claro objetivo de detectar os casos e eliminar os focos do mosquito e dos ratos, também responsáveis por transmitir a doença.
Seu método de combate foi instituído no Rio de Janeiro, então capital brasileira, em meio a controvérsias; embora o instituto francês Pasteur elogiasse a iniciativa de Oswaldo, especialistas brasileiros e mesmo o presidente da época, Rodrigues Alves, tinham receios quanto aos métodos implementados.
Considerados ‘violentos demais’, os resultados de Cruz, entretanto, foram eficazes. “A eliminação dos ratos reduziu enormemente o número de mortes pela praga, enquanto o isolamento da doença pelos insetos e a luta contra o mosquito diminuiu imensamente o número de casos de febre amarela no Rio de Janeiro”, retificou Ilana Löwy, diretora do Instituto Superior de Estudos e Pesquisas Médicas francês.
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Ajuda estrangeira
Além do Brasil, países da região do Caribe e da América Central sofriam com a endemia de febre amarela. Por isso, a Fundação Rockefeller, dos Estados Unidos, decidiu investir numa campanha para erradicar os transmissores entre os anos 1920 e 30, principalmente os mosquitos.
Por mais que se tratasse de uma instituição filantrópica, havia interesses comerciais por trás de tudo. “Este era um alvo particularmente importante para a organização norte-americana. A presença endêmica da doença na América do Sul e Central prejudicava o comércio e as viagens internacionais, ao passo que sua persistência no hemisfério ocidental constituía permanente ameaça ao Sul dos Estados Unidos, que, no século XIX, sofrera com as epidemias de febre amarela”, descreveu Löwy.
O Nordeste brasileiro, além dos vizinhos Equador, Guatemala e Peru, foram os locais em que a instituição mais trabalhou.
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DDT: um pesticida letal
Rastrear um mosquito é mais difícil do que caçar ratos, por isso, eles introduziram um pesticida que se mostrou eficiente em matá-los. Tratava-se do DDT, também utilizado para combater os transmissores da malária e do tifo por soldados na II Guerra Mundial.
O DDT era letal: quando aplicado na parede, se fixava e matava quaisquer mosquitos que pousassem. Mas sua letalidade não é exclusiva aos insetos: décadas mais tarde, nos anos 1970, provou-se que ele pode acumular no organismo dos seres vivos e provocar câncer, além de afetar gravemente outros animais.
Altamente tóxico, sua química leva mais de 30 anos para desaparecer completamente da natureza, por conta da relação entre o cloral e o cloro benzeno, além do ácido sulfúrico de sua composição.
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Operação de guerra
Mesmo após a II Guerra, a doença ainda não havia sido erradicada. Por isso o governo envolveu o Exército, com ‘quartéis’ espalhados pelo país que dispersavam os inseticidas DDT com bombas de aspersão.
Por mais que parecesse extremada, as autoridades levaram essa iniciativa adiante por conta das pressões da Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde.
Era realmente uma operação de guerra, mas uma operação que ‘deu certo’: em 2 de abril de 1955, o Brasil conseguiu eliminar o último vetor do mosquito, na zona rural de Santa Teresinha, na Bahia. Três anos depois, a XV Conferência Sanitária Pan-Americana declarou oficialmente que o Brasil havia erradicado o aedes aegypti e, consequentemente, controlado a endemia de febre amarela.
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Como ele voltou?
As autoridades brasileiras implementaram programas radicais de erradicação, mas não tiveram o mesmo empenho para manter tudo sob controle.
“Mesmo com o desenvolvimento científico-tecnológico, que resultava na reformulação de estratégias introduzidas nas campanhas de erradicação, houve a reação do componente biológico manifesto através da resistência aos inseticidas”, diz artigo de 1995 da revista Adusp, da Universidade de São Paulo. “Era necessária uma concentração cada vez maior do produto químico para se obter o mesmo nível de mortalidade dos mosquitos”.
Então, ficou mais caro manter uma batalha dessas. O que realmente importava era que a febre amarela, o inimigo a ser combatido, estava erradicada. Sem ser visto, o aedes aegypti se fortaleceu. Os mosquitos de hoje já não podem ser combatidos pelo DDT: o pesticida hoje é proibido por seus graves malefícios à saúde e, mesmo que estivesse liberado, não é eficaz o suficiente, pois com o passar dos anos o aedes criou uma resistência natural ao seu veneno.
Com a grave epidemia de microcefalia e casos cada vez mais frequentes de dengue e chikungunya, a lição que podemos tirar do passado é: temos que nos empenhar intensamente. Porque isso é uma guerra.
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