A necessidade das férias

“Todo trabalhador tem direito a férias anuais”. Isso todo mundo sabe e deseja, mas não é o que acontece. O resultado disso é que o corpo fica cansado, a cabeça também e, às vezes, as pessoas acabam ficando tantos anos trabalhando, que esquecem das férias. Aí sobra aborrecimento para todo mundo: para quem fica cansado e começa a ter problemas de memória e eficiência, para os colegas de trabalho que aturam o mau-humor, para os amigos e os companheiros. Ir para o trabalho deixa de ser um hábito normal e passa a ser um inferno. É porque existe a necessidade das férias.

O sociólogo italiano Domenico De Masi, autor do livro “O Ócio Criativo”, explica que o tempo livre é o tempo do luxo; não o luxo supérfluo, mas aquele luxo que talvez você tenha se esquecido de se dar, como o tempo, o espaço, o silêncio, e a segurança. Segundo ele, aquelas pessoas que concentram toda sua vida no trabalho, que escolhem sair de casa cedo e retornar tarde para dedicar toda sua energia na competição do trabalho e na carreira, descuidando da família, do amor, da solidariedade, da amizade, do social, dos jogos, são inimigas do tempo livre. E esse, se não for saboreado, pode se virar contra, se transformando em violência, neurose, vício, desprezo, consumismo e preguiça.

A comerciante Estelita Cupello sabe muito bem o que é isso. Trabalhando com eventos há mais de quinze anos, ela sente a necessidade de se tirar férias, mas se conforma: “O meu trabalho é o lazer dos outros, eu trabalho no Natal, Réveillon, Carnaval e nos meses das férias escolares das minhas filhas. Confesso que o meu rendimento não é mais o mesmo e quem sofre com isso são as meninas, porque eu desconto é nelas, mesmo que inconscientemente”. O pior é que este problema acaba se refletindo também nos relacionamentos amorosos, afinal de contas, são poucos os homens que suportam manter um romance com uma mulher que não tem tempo nem para tirar férias. “Por mais que o homem seja compreensivo, ele acaba cansando”, afirma Estelita que, no momento, está sem namorado.

“Não tiro férias há nove anos”, diz a professora de Educação Física Ana Carvalho. “Mas não é por opção, é por necessidade mesmo. Contas a pagar, colégio das crianças, cota extra do condomínio, não é fácil não. Claro que eu fico estressada, mas o maior problema é não poder estar mais perto da minha filha quando ela está de férias. Fico muito triste porque ela está numa fase em que precisa muito de mim por perto, mas eu não abrir mão do meu trabalho. E se eu ficar desempregada, então”! A jornalista Livia Santiago quase teve um piripaque e por pouco não foi protagonista daquelas cenas dignas do seriado plantão médico. Acumulando uma coluna diária, mais a chefia de reportagem de um jornal, e cinco anos sem férias ela quase foi à loucura por causa do excesso de trabalho que teve na época das eleições. “Tive síndrome do pânico, tinha medo de engarrafamento, de andar de elevador, me enchia de calmante e ia pro trabalho. Pura loucura, né”?

O chefe de admissão de pessoal do Hotel Marina Palace, Francisco Veloso, reconhece que a falta das férias nos funcionários do hotel, além de prejudicial ao próprio funcionário, põe em xeque o bom funcionamento do hotel. “No nosso trabalho a simpatia e a cordialidade são fundamentais. Se os nossos funcionários não tirarem férias, eles ficam mais estressados, a produção cai e, junto com ela, a simpatia, a cordialidade e o bom humor. E é nesse ponto que está o nosso diferencial porque hospedar, todos hospedam”. A advogada carioca Adriana Salomão trabalha sem descanso há oito anos. Para ela, este fato influi negativamente no seu próprio rendimento e este assunto já foi debatido, inclusive, com seu terapeuta. “Ele me disse que, se eu não arrumar um tempinho para mim mesma, eu vou acabar ficando com raiva do trabalho e vou acabar chutando o balde. Mesmo assim eu continuo nessa loucura. Por isso é que eu acho que a procura por cargos públicos é tão grande, afinal de contas, eles têm férias garantidas uma vez por por ano”, conclui.

O problema da falta de férias atinge a todos. Dos mais humildes aos mais importantes. Dia desses, o ministro da Saúde recebeu um ofício com o seguinte bilhete: “Casado há 25 anos, estou desde 1998 sem férias. Se o senhor não me liberar, as coisas vão desandar lá em casa”. Quem assinava o tal bilhete era nada mais, nada menos, do que o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Diante de tão forte argumento, Serra resolveu liberá-lo. “O funcionário tem que tirar férias, se não ele fica mais cansado, mais estressado e a qualidade de serviço cai bruscamente”, essa é a opinião de Claudia Dutra, encarregada de pessoal da Shell. Segundo ela, a filosofia da empresa é de dar férias anuais a todos os funcionários. “O empregado, se não tira férias, pode ser prejudicado inclusive na sua vida pessoal. E a grande verdade é que, os nossos primeiros clientes são os internos. Se os nossos funcionários trabalham satisfeitos, a probabilidade dos nossos clientes externos ficarem felizes com os nossos produtos aumenta sensivelmente.

A verdade é que devemos nos concentrar também no nosso lazer. Lembre-se daquela música do Dorival Caymmi: “O mar quando quebra na praia é bonito” e fique assim, sem fazer nada, só olhando o mar. Trabalhar por anos como uma louca e não pensar no lazer, além de ferir a Constituição (“toda pessoa tem direito ao lazer”), prejudica a sua saúde, atrapalha as relações com as pessoas mais próximas e, dependendo do caso, seu rendimento profissional pode cair tanto a ponto de causar uma demissão inesperada. E, com certeza, férias forçadas não é uma boa opção.