Com o crescimento da responsabilidade social nas empresas brasileiras, um novo movimento vem se formando no mercado de trabalho: a inclusão de portadores de deficiências físicas em cargos que até então nem eles mesmos imaginavam ocupar. Se antes, eles estavam destinados a cargos menores, hoje é possível encontrá-los atuando nas suas próprias áreas de formação, como direito, fisioterapia e psicologia, por exemplo. Hoje, de acordo com o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, 40% das 500 maiores empresas do Brasil promovem ações em favor da diversidade – incluindo aí os portadores de necessidades especiais. Mesmo assim, ainda há muito chão pela frente até que isso se torne um hábito.
É muita gente que, apesar das limitações físicas, vem colocando a mão na massa. Estudos revelam que há quase seis milhões de pessoas deficientes em idade economicamente ativa no Brasil, das quais um milhão se encontram no mercado informal e cerca de 160 mil empregadas. Esse número vem crescendo gradativamente, e só não é mais acelerado porque muitas organizações ainda se rendem ao preconceito.
É por isso que, em 1999, foi criada uma lei que obriga as empresas com mais de cem funcionários a preencher de 2% a 5% das vagas com portadores de deficiência – para que realmente se abrisse espaço para esses profissionais. Mas, só depois que o Ministério do Trabalho passou a realizar uma fiscalização mais rígida, é que houve uma corrida das organizações para se adequar às exigências. “Existem companhias que já contratavam pessoas deficientes por conta própria, muito antes da legislação. Infelizmente, em algumas empresas, ainda há uma visão de que deficiente é uma pessoa incompleta, que não possui competência”, comenta Moacir Carlos Sampaio, consultor em Comportamento Organizacional e professor da Pós-Graduação em Psicologia Social das Organizações do Instituto Sedes, em São Paulo.
Por falar em empresas que se anteciparam à lei, o Laboratório Farmacêutico Aché, em São Paulo, foi um dos pioneiros na contratação de pessoas com deficiência. Entre os 2.400 funcionários, 34 são portadores de necessidades especiais. Os cargos são bem variados: desde gerente de produção até advogado. Uma das funcionárias mais antigas desse programa de inclusão é a psicóloga Claudia Regina Graça, de 26 anos, deficiente visual. Depois de passar por um estágio de dois anos, foi contratada pelo Aché, e já está lá há quatro anos. “É o meu primeiro emprego. Trabalho com o toda a parte referente a estágios, recrutamento, seleção e treinamento de pessoal. Para trabalhar, uso um computador equipado com um software com comando de voz. Fui muito bem recebida pelos colegas e não tive muitas dificuldades de adaptação”, conta ela.
Outra pioneira foi a Natura, que também já adotava a política de contratação de deficientes antes da chegada da lei. Atualmente, a empresa conta com 112 colaboradores com deficiência – 76 auditivos, 4 visuais, 30 físicos, um múltiplo e um mental. A avaliação das atividades a serem desempenhadas é feita por uma instituição especializada em portadores de deficiência, que orienta o RH no recrutamento. E o treinamento é todo feito com materiais em braile ou linguagem de sinais. Para que o funcionário seja bem recebido e orientado, a área de Serviço Social da empresa promove ações de sensibilização junto aos colaboradores que irão trabalhar com ele.
Até mesmo as empresas de recrutamento e seleção vêm criando áreas específicas para cuidar do encaminhamento de profissionais com deficiência. Na Gelre, por exemplo, é oferecido um suporte para as companhias que desejam contratá-los, nos mais diversos campos de atuação. A Divisão de Projetos Sociais já encaminhou mais de 1.900 profissionais para o mercado e ainda conta com mais de 9.640 currículos cadastrados em todo o país.
Como a busca dos deficientes físicos é por igualdade no mercado, não existem privilégios reservados a eles na hora de arrumar um emprego. Eles passam normalmente por entrevistas de recrutamento e seleção, realizam treinamento para a função – com materiais específicos e profissionais especializados – e passam pelo período de experiência de três meses. Por isso mesmo, eles também são exigidos em algumas habilidades que hoje são consideradas básicas, como operar computadores e falar inglês. Em São Paulo, existe até uma entidade exclusiva para capacitação de profissionais com deficiência visual, a Laramara. Lá, são oferecidos cursos de inglês e informática, com materiais especiais. A psicóloga Claudia foi uma das que participaram das aulas. “Foi muito importante para a minha preparação”, admite.
Dedicação
Não é só porque apresenta alguma deformidade no corpo que o portador de deficiência deixa de ser um profissional competente. De acordo com o consultor Moacir Carlos Sampaio, a última coisa que eles querem é o tratamento dispensado aos incapazes. Pelo contrário, desejam independência e uma boa estrutura para realizar suas tarefas. “A performance dos deficientes, ao contrário do que se pensa, é destacada. Eles valorizam bastante o trabalho, desempenham as tarefas com dedicação e têm muito mais senso de responsabilidade”, argumenta. Para algumas empresas, como o laboratório Aché, eles são motivo de orgulho. “Nos sentimos muito satisfeitos com a presença deles, porque temos funcionários excelentes, que superam suas limitações e fazem um ótimo trabalho”, diz o diretor de Recursos Humanos, Marcos Nascimento.
Pois é, apesar de estar havendo toda essa abertura, parece que ainda temos muito que aprender. A gerente do Departamento de Responsabilidade Social da Gelre, Maria de Fátima e Silva, tem uma visão bem interessante do caso: “A inserção do deficiente nas empresas pode ser comparado à luta da mulher para ingressar no mercado de trabalho. Ela foi acontecendo aos poucos, até que o preconceito se dissipasse. Com os portadores de deficiência tende a ser assim, um processo demorado, até que as pessoas tenham mais informação e se livrem dos medos e conceitos equivocados. Pode levar um bom tempo, mas vai chegar um dia em que não seja necessária a lei para que isso ocorra”, conclui.