Quem costuma viajar pelas estradas do Brasil sabe bem que nem sempre o preço do pedágio cabe no bolso. Algumas rodovias, como a Imigrantes e a Anchieta, que ligam a cidade de São Paulo ao litoral de Santos, por exemplo, possuem trechos com valor bem salgado: R$ 25,80.
É que tanto a Imigrantes quanto a Anchieta são concessões estaduais, regidas sob um modelo de contrato diferente e específico. Isso pode explicar uma questão que atormenta a cabeça de muitos brasileiros: por que o preço do pedágio varia TANTO?
Além dessa dúvida bastante cruel, outra ainda deixa a pulga atrás das orelhas: para onde vai o montante de dinheiro que é arrecadado pelos pedágios todos os dias?
Por que o pedágio existe?
Para começo de conversa, é importante entender, afinal, porque os pedágios foram criados.
Em muitos países desenvolvidos, quando o Estado não tem condições de investir o necessário em infraestrutura, geralmente concede esse ‘peso’ à iniciativa privada.
As rodovias brasileiras são um claro exemplo disso. Desde 1995, o governo brasileiro viu nas concessões rodoviárias uma forma de incentivar a infraestrutura, tirando de sua responsabilidade gastos com estradas, manutenção, sinalização e fiscalização das rodovias.
Em 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou a lei nº 9277, que garantia ao Ministério dos Transportes delegar as concessões por meio de consórcios que poderiam administrar e explorar as rodovias pelo prazo de até 25 anos.
Assim, as empresas privadas participariam de licitações para ‘controlar’ as rodovias, a partir de parcerias público-privadas, “prevendo a possibilidade de aplicação da legislação do Município, do Estado ou do Distrito Federal na cobrança de pedágio ou de outra forma de cobrança cabível, no que não contrarie a legislação federal”, segundo o texto da lei.
Fato é que nem todas as rodovias nacionais têm parcerias público-privadas, mas o percentual é bastante alto. Pelo menos 10% da malha rodoviária é concedido a empresas. A efeito de comparação, em países como Estados Unidos e Alemanha esse percentual fica entre 0,1% e 2%.
Uma das principais vantagens citadas pelo governo em relação a essas parcerias está na eficácia de gestão: empresas concessionárias têm mais condições de focar nos investimentos e na infraestrutura de estradas do que o poder público.
Por que os pedágios têm preços diferentes?
Mas nem todos os contratos são iguais. Estradas sob tutela do governo federal geralmente são concedidas a partir de um modelo conhecido como modicidade tarifária que, desde o governo Lula, em 2003, favorecia a concessão da estrada à empresa que tivesse comprometida a taxar o menor valor de pedágio.
Porém, para que as obras e a manutenção das rodovias sejam mais rápidas e mais eficazes, seriam necessários pedágios mais caros. É aí que entra o modelo de concessão organizado especificamente pelo estado de São Paulo, chamado de outorga tarifária.
Modicidade tarifária
Estradas como Fernão Dias e Régis Bittencourt, por exemplo, funcionam nesse modelo.
“A modicidade da tarifa, como exigência legal, redobra a responsabilidade do governo quando da aceitação dos preços ofertados por concessionários, devendo o valor ser compatível com a capacidade de pagamento dos usuários, e, ao mesmo tempo, suficiente para remunerar adequadamente o serviço prestado”, analisaram os economistas Ricardo Soares e Carlos Campos Neto, em estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O pedágio pode sair mais barato pela modicidade tarifária, mas existem alguns problemas. “Se o pedágio é muito baixo, os serviços de obras e manutenção da rodovia definidos no edital e/ou contrato de concessão se tornam naturalmente mais lentos, prejudicando a meta de melhorar a qualidade das rodovias do país”, explica um estudo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, associado à Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP).
Outorga tarifária
Criado em 1998, o modelo de outorga tarifária estabelecia uma concessão a quem pagasse o maior valor em leilão, deixando a regra do pedágio por regulações que envolvem custos de serviços e inflação.
As empresas fazem estimativas quanto aos custos da infraestrutura, levando em consideração o cálculo de veículos que passam pela estrada num determinado período.
“Essas estimativas servem para definir a tarifa inicial de pedágio e a taxa de retorno do empreendimento, a qual, contratualmente, é utilizada para garantir o equilíbrio econômico-financeiro da concessionária”, explicam os economistas do Ipea.
As concessionárias faturam alto nesse modelo de outorga. Um levantamento da empresa de rating Austin mostrou que, em 2009, o lucro da concessionária AutoBan, que controla o sistema Anahnguera-Bandeirantes, em São Paulo, foi de 80% – percentual maior que o lucro do sistema bancário, por exemplo.
Todavia, os contratos de outorga não determinam a transparência das contas das concessionárias. E não fixam nenhuma obrigatoriedade em relação aos pedágios.
Para onde vai o dinheiro arrecado pelo pedágio?
Nos dois modelos de concessões, pelo menos uma parcela do dinheiro dos pedágios deve ser destinada à manutenção das rodovias. Mas, cada contrato possui cláusulas específicas.
Uma cláusula do contrato de modicidade tarifária da rodovia Fernão Dias diz que a operação dos pedágios fica por conta da concessionária, que deve garantir “condições de regularidade, continuidade, eficiência, conforto, segurança, fluidez do tráfego, atualidade, generalidade”. Não há, por exemplo, uma cláusula que determine o percentual que deva ir para manutenção das rodovias, melhora de sinalização ou controle dos veículos, por exemplo.
“A busca pelo favorecimento da modicidade tarifária do serviço requer mais maturidade dos processos de gestão dos contratos de concessão de serviços públicos e das tarifas”, concluiu a engenheira civil Ana Sheila Duarte, em tese de mestrado para a Universidade de Brasília (UnB).
Quanto ao modelo de outorga, geralmente o poder público ‘entrega’ a responsabilidade à iniciativa privada. O blog oficial da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) afirma, em relação ao dinheiro do pedágio: “Se não sabe, repare à sua volta. Quantas obras de duplicação, terceiras faixas ou restauração de pistas você já não viu pelo caminho? E a implantação de contornos, passarelas, pontes ou barreiras nos canteiros centrais?”, diz o blog da ABCR Paraná.
A ABCR, que representa as concessionárias CCR RodoNorte, EcoVia, EvcoCataratas, entre outras, também cita “oferta de banheiros limpos e água fresca nas praças de pedágio até ambulâncias aparelhadas com médicos de plantão”.
Mas, nem tudo vai para as estradas. “São os cerca de 20% recolhidos para custear os diversos tipos de tributos – entre eles a Cofins, o PIS, a Contribuição Social e o IR, dinheiro para União aplicar em setores essenciais que, por outras vias, devem retornar aos contribuintes por meio de serviços de abrangência coletiva”, diz a ABCR.
Não há um percentual definido de quanto da arrecadação do pedágio vai para esses serviços.
Um comunicado do estado de São Paulo, que utiliza o modelo de outorga, afirma que o Programa de Concessões Rodoviárias já destinou R$ 26 milhões para ampliação e modernização de mais de 5 mil km de estradas. Outros R$ 42,8 bilhões, arrecadados com o pedágio, foram destinados à “operação e manutenção da malha rodoviária concedida”.
Novo plano do governo para as estradas
Seja no modelo de modicidade ou de outorga, os investimentos nas rodovias dependem de investimentos dos bancos públicos, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento). Não há nenhuma estimativa de que bancos privados tenham ‘participação’ nesses financiamentos de rodovias.
Em julho deste ano, o governo de Michel Temer afirmou que quer adotar como padrão nacional a concessão de outorgas de estradas, terminando com o lance de ‘vence mais quem cobra menos pedágio’.
O governo pretende, com o Programa de Parceria e Investimentos (PPI), estabelecer a concessão de duas rodovias, uma entre Goiás e Minas Gerais (BR-364/365) e outra no Rio Grande do Sul (BR-101/116), a partir de um modelo em que o único ganho por parte do governo vem com o valor do leilão.
Se forem concedidas, como prevê edital a ser divulgado em janeiro de 2017, os pedágios nessas rodovias ficarão tão elevados quanto as do estado de São Paulo.
Rodovias: a segurança e o prazer de dirigir
- Dirigindo em estrada de terra: dicas para encarar o caminho
- 5 estradas mais bonitas do Brasil para viajar de carro
- Lei do farol baixo em rodovias está em vigor; veja o que fazer