Elas são lindas, têm mãos perfeitas, pés, dorsos, traseiros fenomenais. Têm longas e bem torneadas pernas, dançam, saltam, arriscam a vida e sobem pelas paredes, se preciso. São mulheres-maravilha, mas estão mais para invisíveis: jamais seus rostos aparecem na telinha. Umas alcançam a fama, outras, um longo anonimato. Mas todas sabem que delas, muitas vezes, depende o sucesso de uma cena: são dublês.
Dublês de Corpo
A responsabilidade é grande. O aprendizado também. A atriz Mariana Costa Pinto, 25 anos, encara seu primeiro trabalho na Rede Globo como um laboratório. Ela é dublê de corpo de Beth Lago, faz a irmã gêmea da atriz, na novela Uga-Uga: “é uma experiência maravilhosa, por mais que eu não esteja aparecendo. Estou me exercitando como atriz, tendo a oportunidade de trabalhar com profissionais excelentes, como a Beth Lago e o diretor Wolf Maia.” Formada em Administração de Empresas, Mariana largou uma promissora carreira financeira em um banco de investimentos, para se dedicar ao seu sonho: “sempre fui apaixonada por teatro”, diz ela, “e no futuro, tenho a pretensão de ser diretora de cinema e TV. É uma carreira muito difícil, tem que ter muita coragem. Estou estudando muito, me dedicando de corpo e alma, e espero ganhar meu espaço. Não é o meu objetivo ser dublê de corpo a vida inteira, mas não estou frustrada porque sei que é o início. Eu já faço teatro, e TV é uma linguagem totalmente diferente. No palco, tudo é grande, na TV, tudo contido. Está sendo uma experiência e tanto.”
Atuar como dublê de corpo significa estar disposto a mudar o visual a qualquer hora. Mariana teve que pintar o cabelo para ficar mais parecida possível com Beth Lago. “Estou loira e emagreci bastante”, diz ela. Conta pontos também, saber falar o texto: “a antiga dublê era uma figurante, só que a menina não sabia ler direito. Para a atriz, é importante ter um referencial, para não contracenar com o nada.” A palavra dublê, vem do inglês double body, ou corpo duplo. A profissão ainda não é regulamentada, e muitas meninas vêm de agências de modelo, selecionadas pelo tipo físico. Algumas viram símbolos sexuais, como Karine Werneck, que “interpretou” atrizes como Andréia Beltrão, Juliana Baroni e Daniela Winits; e Débora Stroligo, que já foi Giulia Gam, Adriane Esteves, e Luana Piovani. Suas curvas lhes renderam ensaios na Playboy, sessões especiais de chat na internet, e sim, muitas propostas de casamento.
Dublês de Ação
Nem só de luzes e câmeras entendem as profissionais da substituição. Há uma categoria que pega no pesado: são as expert em ação. Diferentes das dublês de corpo, elas entram em cena quando há risco físico para a atriz. A paulista Cris Alves, 31 anos, que foi a primeira dublê feminina no Brasil, se destacou em atropelamentos, rolamento de escada, e lutas marciais. “As pessoas diziam “mas isso é coisa de homem”. Eu queria mostrar que a mulher não é o sexo frágil. Nunca me machuquei, até porque há toda a parte de segurança, cotoveleira, joelheira, etc, mas já sofri uns arranhões. Tem até uma história engraçada: uma vez um cara, que se dizia atirador de elite, tinha que acertar um alvo de madeira que estava nas minhas costas. Acertou meu ombro, meu bumbum, me deixou toda roxa. Cada tiro que ele errava, eu tinha que trocar de roupa, e refazer tudo. Na terceira tentativa, eu não agüentei e disse “meu filho, você aprendeu a atirar aonde?” Ele ficou todo envergonhado. Outra vez, uma atriz não queria dublê, bateu o pé que a cena era fácil, era só entrar num rio, não precisava de mim. Saiu toda arranhada, reclamando de frio. Veio me pedir para substituí-la. Eu disse: te vira.” Cris já foi dublê de Maria Padilha e Cristiana Oliveira, na novela Vila Madalena. “Dublê de corpo, nunca fiz. Tenho um porte americano, seios grandes, o tipo brasileiro é mais mignon.” Ela acha que o trabalho não compensa em termos de dinheiro, mas abre muitas portas: “é claro que alguns cachês são bons, porque não há muita concorrência. Mas o mais legal é que a gente consegue outras coisas. Eu fiz um quadro de atropelamento no programa do Gugu, e pintou um convite para posar nua. Fui Miss Playmate em outubro de 95, e estou na última edição da Playboy Especial, entre as 30 brasileiras mais belas”, conta com orgulho.
Bárbara Tkalek, de 28 anos, é a única integrante da equipe da Academia de Dublês Águias de Fogo, de SP. Formada em administração de empresas e artes cênicas, Bárbara conta que desde pequena gostava de esportes e jogos pouco convencionais para meninas de sua idade. “Eu tinha uma boneca Susi e brincava que era o gigante que salvava a mocinha.” Com 1,71m, 59 kg, loira dos olhos verdes, e cabelos até a cintura, ela fazia parte do elenco de “Do outro lado do sol”, uma peça com Alexandre Frota, quando o pessoal da Águias de Fogo foi chamado para dar treinamento. “Ensinavam tapa na cara, receber socos, cair de cadeiras. Era uma peça de ação, uma espécie de Indiana Jones. Foi nosso primeiro contato.” Um ano e meio depois, virou profissional: “Vi Regiane Alves, que hoje faz o papel da nora da Vera Fisher na novela, fazer uma cena, em “Fascinação”, onde era quase estrangulada. A técnica foi perfeita, achei bárbaro. Fui conferir o curso e nunca mais parei.”
“As pessoas acham que dublê não tem medo, tem medo sim”, confessa Bárbara, “mas utiliza técnicas para fazer tudo. Por exemplo, no último capítulo de Marcas da Paixão, a Irene Ravache explodia um tambor. Eu saí pegando fogo. É uma cena trabalhosa, mexe com a temperatura do corpo. A gente passa um gel no corpo e no cabelo, ele vai a zero graus. Depois, veste um macacão com tolerância ao fogo, e em cima dele, o figurino. Com a chama, o corpo vai de zero a 180 graus, de hipo a hiperdermia, tudo em cinco segundos. Tem toda uma técnica de movimentação, inclusive dos olhos, de respiração, não pode ser feita em ambientes fechados, só em abertos, por causa da combustão do oxigênio, do tamanho da chama, temos que nos preocupar com o fogo, que pode virar com o vento, etc. Exige muito equilíbrio psicológico.”
Acidentes não são freqüentes, mas acontecem: “Tenho dois parafusos de platina no joelho”, revela Bárbara, “por dar um salto mortal de costas. Foi um erro meu, baseado num excesso de confiança. Minha impulsão foi forte, eu caí, o pé ficou e o corpo foi. Tive que fazer 8 meses de fisioterapia. Por um lado foi bom, esse acidente me trouxe confiança e maturidade.” Esta paulista, que leva a profissão como um hobby, acha que o mercado brasileiro quase não tem filmes e cenas de ação. “Aparece um ótimo trabalho a cada 6 meses. Mas o mercado é muito instável”, reclama. Por uma cena de corpo em fogo, sem custo de equipamentos, ela ganha 3500 reais. “É um cachê pequeno, se considerado o risco e a periodicidade. Os seguros não cobrem a nossa profissão, porque não ela não está regulamentada. As seguradoras dizem que não é acidente, porque nós somos conscientes dos riscos.” O portfólio de Bárbara inclui os comerciais da Gelol, onde fez a modelo que desfila e cai, e a outra que rola escada abaixo, muitos trabalhos de lingerie, e sim, alguns de corpo: “Substituí a Malu Mader, no comercial da Lux Luxo, pois precisavam de uma dublê de pernas. Ela tinha uma manchinha roxa, que não podia aparecer.”
E para manter a forma? “Muitos exercícios de flexão de braço, puxo ferro mesmo”, conta a única mulher do Águias de Fogo. “Porque num salto em movimento, por exemplo, o que vai me amparar no chão é o braço, senão bato com o rosto no chão.” Na opinião dela, a profissão de dublê não tem limite de idade, mas de condição física: “posso ser dublê de perícia de direção e ter 80 anos. Se tiver reflexo, está valendo. Nossa vida útil é igual a de um atleta. Ninguém fuma, ou bebe, todos cuidam da alimentação.”
Poucas pessoas sabem que Helen Gibson foi a primeira dublê profissional (Estados Unidos 1914), quando subistituiu Helen Holmes na série Kalem The Hazard’s of Helen. Menos ainda, que existem mulheres dando o sangue por uma boa cena até hoje. São identidades escondidas sob o brilho do ator principal, detentor de todas as glórias. Como conviver com o anonimato? “Isso não me incomoda”, segreda nossa amiga Bárbara, “é gostoso. Quando acabei de fazer a cena da Irene, era todo mundo aplaudindo, diretor, contra-regra, câmeras, técnicos, atores, etc. A própria Irene veio pulando de alegria, me abraçou, me beijou. Isso é a minha recompensa.”