Por Marcelo Forones
A culpa é o mais penoso entre os sentimentos que assolam nossa mente. Muitos psicanalistas imaginam, a partir da observação de centenas de casos, que ela é uma velha conhecida nossa, pois já sentimos os rudimentos de sua presença desde os primeiros momentos de nossa vida. Apesar de ser normal e necessária para navegarmos pela existência, a culpa pode transformar a vida numa imensa armadura para nos defender do seu ataque sorrateiro e voraz contra nossa auto-estima. Isso acontece quando somos expostos a quantias excessivas de culpa, gerada por alguma propensão inata nossa ou por estímulos externos.
Ao contrário de outros sentimentos que são explosivos e voltam-se para o mundo exterior (como o medo, o ódio, o amor), a culpa é predominantemente ruminativa e volta-se para nosso mundo interno. Ela funciona como se fosse um agente infiltrado (como um vírus de computador), retirando uma parte de nossa alma para introduzir, no espaço resultante, um elemento oposto ao que foi retirado.
A parte que a culpa arranca de nós é o amor-próprio. Em seu lugar, ela introduz ódio voltado contra nós mesmos. Descremos de nossas qualidades mais óbvias e só consideramos nossos defeitos, mesmo os mais inofensivos. Passamos boa parte do tempo a nos cobrir de recriminações, com tal virulência e crueldade, que poucos inimigos sinceros poderiam igualar.
Esse comportamento guarda sempre uma contradição, ao mesmo tempo irônica e trágica: quanto mais tivermos qualidades, mais estaremos expostos à culpa, pois ela é um amargo privilégio dos justos, nunca dos ímpios. São justamente as pessoas de melhor índole que ficam mais à mercê do remorso culposo, perseguindo-se como juízes implacáveis, com acusações caluniosas e dignas dos grandes malfeitores, que nós – em geral, pessoas banais – não temos nenhuma competência para sequer imitar.
As primeiras tentativas de cura dessa dor da alma brotam espontaneamente nas pessoas que cercam o culpado. Incapazes de compreender o porquê da auto flagelação a que ele se submete, tentam reverter a situação argumentando a desproporção de seu comportamento e tentando defendê-lo das incriminações tenazes.
Geralmente, esse comportamento, apesar de reconfortante, acaba sendo ineficaz, pois a culpa parece estar teimosamente grudada na alma em que se instalou. Quem quiser um efeito mais completo terá de lidar com essa espécie de cola que faz o remorso aderir a nós.
Esta cola-tudo é composta por uma mistura inconsciente de vaidade e pretensão. Elas impedem que admitamos nossas imperfeições, mesmo sabendo que somos falíveis, erramos a toda hora e pisamos no pé de muita gente – principalmente dos que estão mais próximos, ou seja: daqueles a quem mais amamos.
Um mero deslize ou uma distração trivial são o bastante para nós, inconformados com nossa natureza imperfeita, despencarmos sobre nossa própria consciência, armados de uma voracidade vingativa contra nossas qualidades, já que elas não foram suficientes para impedir nossos erros e garantir nossa tão sonhada perfeição. Deste modo, nosso sentimento de culpa será tão mais intenso, aderente e lesivo, quanto mais formos incapazes de aprender com quantas limitações se faz um ser humano normal.
Marcelo Forones é psiquiatra e psicanalista.