Ganhei um DVD interessantíssimo: trata-se de duas edições do “Pinga Fogo” (um famoso programa de entrevistas da extinta TV Tupi) realizadas em 1971, com o médium Chico Xavier. O primeiro programa deveria durar uma hora: durou quase três; o segundo, pasmem, possui quatro horas de duração. Os programas foram ao vivo e alcançaram o maior índice de audiência até hoje registrado na história da TV brasileira – recorde impossível de ser superado, dada a realidade fragmentada dos canais de televisão nos dias atuais.
Eu poderia escrever mil crônicas sobre esses programas, mas resolvi concentrar meus comentários sobre dois temas: a humildade, objeto do texto desta semana, e a homossexualidade, de que tratarei semana que vem.
O DVD duplo traz uma série de extras, entre eles os depoimentos de alguns dos jornalistas que, naquela época, participaram da banca de entrevistadores, como Durval Monteiro, Reali Jr. e Saulo Gomes. Uma observação, porém, foi consenso entre todos os entrevistados: a impressionante humildade de Chico Xavier.
Nós podemos não ser missionários iluminados, mas não tentar desenvolver a virtude da humildade é, no mínimo, atraso e burrice
Eu não sou humilde e, com toda sinceridade, acho esse um traço de profundo atraso e burrice em mim. Já citei neste espaço algo que me aconteceu após um evento na “Casa das Rosas” em agosto do ano passado. Houve, porém, naquela noite, outro ponto digno de nota.
Durante o debate, eu disse que inspiração era coisa de amador, que o escritor profissional tem prazos a cumprir e, inspirado ou não, faz seu trabalho sem que o leitor note a diferença. No momento das perguntas da platéia, uma moça se opôs ao que eu disse e eu expliquei minhas razões. Mais uma vez, ela se opôs e mais uma vez eu expliquei meu ponto de vista. Pela terceira vez ela se opôs e, irritada, respondi: “Essa é minha opinião: respeite!”. Assim, o assunto foi encerrado.
Supus que aquela moça fosse uma aspirante a escritora (quase todos os problemas que tive em eventos públicos foram causados por pessoas que desejam ser escritores, mas que, por um motivo ou outro, ainda não alcançaram tal objetivo). O fato é que, pensando sobre o assunto, cheguei à conclusão, infelizmente tardia, de que as colocações daquela moça estavam certas: de alguma maneira eu busco a inspiração, se ela não vem naturalmente, eu tento criá-la e essa tentativa, mesmo que a fórceps, é uma prova de que, no fim das contas, eu não escrevo sem ela.
Se eu não fosse uma besta orgulhosa teria conseguido, naquele momento, raciocinar rapidamente, verificar que havia verdade nas objeções da moça e dizer, “Sabe de uma coisa? Você tem razão: eu preciso reavaliar minha idéia sobre o assunto”. Pronto: a discussão acabaria, o mal-estar geral também e agora não haveria alguém que provavelmente me odeia, andando por aí. De quem é a culpa? Do meu orgulho idiota, da minha falta de humildade.
Chico Xavier, não só para os kardecistas como eu, é um exemplo de humildade, assim como Madre Teresa de Calcutá, Gandhi ou Irmã Dulce – para não citar o próprio Cristo. Nós podemos não ser missionários iluminados, mas não tentar desenvolver a virtude da humildade é, no mínimo, atraso e burrice. Esta crônica, portanto, não trata absolutamente de religião, mas de algo muito mais simples: do nosso bem-estar e do bem-estar daqueles que convivem conosco. Aqui e agora.





