Apartheid doméstico

Namoro, noivado e casamento. Há muito tempo esta é a ordem seguida pelos relacionamentos. Mas, com o passar dos anos, o comportamento das pessoas foi mudando. Atualmente, nem todo mundo segue a tradição. Pelo menos no que se trata de separação. Antigamente, quando um relacionamento chegava ao fim, cada um ia pro seu lado e pronto! Porém, para alguns casais da vida moderna, não é bem assim que acontece.

Ilza da Silva, de 44 anos, que foi casada durante 23 anos e está separada há sete, divide o mesmo teto com o ex-marido. Cada um tem sua vida: dormem em quartos separados e freqüentam lugares diferentes. Isso acontece também com Sérgio Faria, de 36 anos. Há nove meses, ele vive uma vida de solteiro, mas ainda mora com a ex-mulher.

“Por mim, nós não deveríamos viver assim. Mas ele prefere continuar cumprindo com as obrigações do lar

Ilza e Sérgio vivem o chamado “apartheid doméstico”, relação de quando o casal se separa e continua morando sob o mesmo teto. Embora esse tipo de relacionamento seja facilmente encontrado por aí, nem todos os casais assumem que vivem sob esta condição. “É uma questão de aparência. Não consigo assumir o fim da relação diante dos outros”, conta Sérgio.

Para quem pensa que o “apartheid doméstico” é sustentado somente pela amizade entre o homem e a mulher, se engana! As duas experiências comprovam que nem sempre a união faz a força dos ex-casais que ainda vivem juntos. “Em alguns casos, continua havendo agressividade verbal e física que antes acontecia com o casamento”, diz a psicóloga Maria Alcinéa Trotta, que trata de casais que vivem sob este regime de separação.

A psicóloga acredita que os dois motivos mais comuns que fazem com que os casais continuem morando juntos após a separação são: falta de condições financeiras ou medo de assumir a separação diante dos outros. “Conheço casais que aceitam continuar no mesmo lar porque não têm para onde ir e acabam vivendo desta maneira por muito tempo. Mas há também os que têm medo de enfrentar a sociedade. De saber o que os outros vão falar”, afirma.

No caso de Ilza, a condição de continuarem na mesma casa foi aceita pelos dois para proteger o patrimônio dos filhos: “O juiz pediu para que vendêssemos os bens e cada um ficaria com a sua parte. Mas decidimos não nos desfazer de nada porque tudo que temos é de nossos filhos”. Já com Sérgio, o medo de assumir a separação pesou mais quando decidiu continuar na mesma casa. “Concordar em morar junto talvez não seja a resposta certa. Acho que a gente simplesmente aceita”, desabafa o supervisor.

No entanto, conviver sob o mesmo teto com o ex impõe limites que nem sempre o parceiro está preparado para enfrentar. Ilza conta que, apesar de ser separada legalmente, enfrenta dificuldades quando o assunto envolve saídas noturnas e relacionamento com outras pessoas. “É muito ruim viver na mesma casa que ele. Todas as vezes que saio, ele implica e acabamos discutindo”, desabafa.

Discussões também fazem parte do cotidiano de Sérgio. “As brigas existem por parte dela. Eu sempre fui reservado. Posso estar ‘entalado’ com alguma coisa, mas prefiro ‘digerir'”, conta. Ele se relaciona com uma outra pessoa e já foi visto com a nova namorada pela ex: “Ela me viu passar com minha namorada. Depois disso, me fez algumas perguntas, mas eu preferi mudar de assunto”.

A intromissão na vida do outro parece ser comum quando se divide o mesmo teto. É importante saber respeitar a privacidade do outro e nunca esquecer que ele já não é mais seu companheiro. Sérgio prefere não interferir na vida da ex. “Eu tenho namorada. Ela, eu não sei”. O mesmo faz Ilza; “Nem procuro saber se ele tem alguém ou não. Se ele se relacionar com alguém, eu vou aceitar numa boa. Quando a gente deixa de gostar, a gente aceita tudo. Já ele não pensa assim”, conta.

É certo isso?

Morar na mesma casa que o ex pode ser loucura para alguns, mas a atitude certa para outros. Para a psicóloga Maria Alcinéa, a estrutura familiar influi muito quando o casal opta por continuar na mesma casa. “Quando envolve filhos, há o sentimento de culpa por não ter coragem de abandonar a família”, explica.

Bárbara Alves, de 31 anos, está tentando fugir de um ‘quase’ apartheid doméstico. Ela, há quatro meses, está separada. Para não dividir com o ex o mesmo teto todos os dias, foi criada uma escala: ela fica em casa com as duas filhas durante a semana e ele, nos fins de semana. “Por mim, nós não deveríamos viver assim. Mas ele prefere continuar cumprindo com as obrigações do lar. Então, eu passo os fins de semana na casa da minha mãe”, revela.

Tanto Ilza quanto Sérgio também pensam em sair de casa um dia e viver seus novos relacionamentos. “Eu quero em ir morar com meu novo namorado um dia porque enquanto eu tiver nesta situação, nunca vou poder levar alguém na minha casa. Fica difícil até para a outra pessoa se entrosar com meus filhos”, afirma Ilza. Sérgio, no entanto, é mais reticente: “Com certeza pretendo me mudar daquela casa. Mas ainda me sinto inseguro, mesmo tendo partido de mim a iniciativa da separação. Ainda existe uma química muito forte. É algo sem explicação!”.