Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, arte é a “capacidade que tem o ser humano de pôr em prática uma idéia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria”. Não poderíamos aplicar esta mesma definição para moda? Ou melhor dizendo, não poderíamos até pensar que moda e arte estão tão intimamente ligadas, que suas definições se confundem? Moda também não seria a “capacidade de pôr em prática uma idéia”?
No museu Victoria & Albert, em Londres, a exposição “Surreal Things” não só presta homenagem ao surrealismo e seus expressivos representantes -Salvador Dali, René Magritte, André Breton, Giorgio Chirico, entre outros – como revela a íntima e inegável ligação entre arte, arquitetura design e moda.
Por curiosidade, a própria Tarsila teve uma relação próxima com o mundo da moda, já que era uma das melhores amigas do estilista francês Paul Poiret, este auto-intitulado “o rei da moda”, por ter libertado as mulheres dos espartilhos no início do século XX
A exposição deixou claro que a arte efetivamente funciona como fonte de inspiração. Peças inusitadas como o famoso “chapéu de sapato”, de Elsa Schiaparelli, e a jaqueta “afrodisíaca” de Dali, além dos famosos vidros de perfume de ambos, explicitavam o envolvimento de estilistas com a arte e de artistas plásticos com a moda.
No seu desfile de verão de 2005, a Blue Man homenageou a artista plástica paulista Tarsila do Amaral. Apresentando uma coleção divertida e colorida, a grife de praia brasileira tentou de forma singela transformar biquínis em réplicas das obras da modernista. Por curiosidade, a própria Tarsila teve uma relação próxima com o mundo da moda, já que era uma das melhores amigas do estilista francês Paul Poiret, este auto-intitulado “o rei da moda”, por ter libertado as mulheres dos espartilhos no início do século XX.
Até mesmo no Sambódromo, a musa do modernismo esteve presente. No carnaval de 2007, a Mangueira usou como tema de uma de suas alegorias a Semana de Arte Moderna de 1922, destacando em grande estilo a milionária e mundialmente conhecida tela “Abaporu”, de Tarsila.
Eleita na comemoração dos 10 anos do SPFW como a estilista do futuro, a carioca Isabela Capeto tem como marca registrada bordados, aplicações de flores, formas geométricas, recortes de tecidos e até mesmo motivos da obra de Matisse. Um outro exemplo bem atual e bastante interessante do quanto a arte pode influenciar é o casamento de música e moda que a cantora-estilista Nina Becker faz. É mais do que trabalho; é uma atitude de vida. Um constante movimento em que uma arte inspira a outra.
A Cabimento, da estilista Cíntia Ramires, tem como objetivo principal divulgar o trabalho de artistas ainda desconhecidos. Partindo do princípio de que toda forma de arte cabe numa camiseta, a grife carioca faz das camisetas um eficiente canal de divulgação e comunicação. São xilogravuras, poemas e fotografias estampados em t-shirts de diferentes cores e modelos. Resultado: roupa carregada de emoção e estilo.
Nem mesmo Guimarães Rosa ficou fora do mundo da moda. Desta vez a literatura entrou em cena e provocou uma verdadeira viagem pelo sertão árido castigado pela seca. Baseado no clássico “Grande Sertão: Veredas”, Ronaldo Fraga interpretou a seu modo as questões existenciais que o livro aborda e deu graça a um universo tradicionalmente sem vida.
A mídia de massa, numa tentativa de propagar a cultura na sociedade, bebeu na mesma fonte. A obra de Gustav Klimt virou estampa da grife da revista Caras. O pintor austríaco, apontado por muitos como o primeiro fotógrafo de moda, chegou a ajudar no desenvolvimento de alguns modelos vendidos na Boutique das Irmãs Flöge, o ateliê de alta-costura da preferido da elite intelectual da Belle Époque. Além disso, as mulheres de Klimt – tema recorrente do pintor – usavam roupas soltas e coloridas, características do estilo revolucionário de Paul Poiret.
Pois é… Nem só do clássico vestido “Mondrian”, criado em 1965 por Yves Saint Laurent, vive a relação moda e arte. O grafite, expressão artística urbana vinda dos guetos nova iorquinos, faz sucesso nas ruas, nas passarelas e até dentro de casa. Nomes como Flesh Beck Crew, Flip, Titi Freak e Jana Joana são respeitados e adorados pelo mundo fashion.
A grande verdade é que comprar é cada vez mais uma experiência de lazer, da mesma maneira que ir ao cinema, ao museu ou ao restaurante. Daí a forte tendência das “concept-stores”, ou lojas-conceito, que mesclam moda, arte e entretenimento num mesmo espaço.
O papel da moda mudou. Hoje em dia uma peça de vestuário carrega em si conceitos, mensagens, atitudes, personalidades e identidades. E ter a arte como base disso tudo não é mais do que justo. É um processo natural.