Língua bandida – Apesar de impublicáveis e condenados pela boa educação, alguns palavrões vive

Os palavrões são vocábulos impublicáveis que fazem parte da linguagem nossa de cada dia, considerados termos de baixo calão e condenados pela boa educação. Mas a vontade de encher a boca e soltar aquele cabeludo “p. que pariu” ao dar uma topada é quase incontrolável, e o mais surpreendente é que a mesma pérola cairia como uma luva para expressar aquela explosão de alegria. Coisas da língua… E até quem não é adepto deste palavreado chulo, quando se depara com aquela “bananosa” deve, pelo menos, xingar no íntimo uma palavra mais de acordo com a situação. O palavrão pode ser considerado o marginal da linguagem: vulgar, feio e obsceno, e mesmo com todos esses predicados boa parte da população – seja ela rica ou pobre, masculina ou feminina – não vive sem ele.

Nas crianças, a pronúncia do palavrão quase sempre vem seguida daquele alerta de que a próxima palavra feia implicará em uma lavagem da boca com sabão ou numa aplicação da temida pimenta na língua. “Minha filha está com três anos e começando a descobrir os palavrões. Eu brigo com ela, digo que é feio, mas ela aplica certinho os termos, aí tenho que me controlar para não rir”, conta a gerente de loja Alessandra Galvão, admitindo que também solta suas bombas na hora da raiva. “É impossível na hora que você está revoltada ou muito chateada não fazer aquele desabafo, parece que você fica até mais leve”, acredita Alessandra.

Profanar a mãe alheia é um dos esportes preferidos de dez entre dez usuários dos vocábulos de peruca. Mas existem aqueles mais usuais e menos vingativos, que viraram, praticamente, uma vírgula ou um ponto, como o “porra” ou o “merda, que hoje já não chocam mais ninguém. “Eu falo muito palavrão. Às vezes me toco que estou falando como pontuação de frase. Minha avó vive me chamando de desbocada, aí tento dar uma segurada mas a força do hábito é foda”, confessa a estudante Taís Cardoso. E como estamos falando de suas características de pontuação, o palavrão também pode servir de ponto final numa discussão que já não leva ninguém a nada. “Acho que quando você fala um ‘foda-se’ ele vem lá da alma. Você já está saturado e a outra pessoa insistindo, enchendo o saco. Aí você libera sua energia acumulada com ele, é quase uma palavra mágica”, divaga o analista de sistemas Bruno Mendonça. “O ‘foda-se’ nada mais é que o desprezo pelo argumento do outro e a incapacidade de manter a conversação em bases afetivas e receptivas”, traduz o psicólogo Gilberto Lúcio da Silva.

Um desabafo, uma expressão de revolta, uma liberação da libido ou uma comemoração, o palavrão é tão versátil na sua aplicação quanto na sua variedade. A anatomia humana é infinita fonte de inspiração para os xingamentos ou para os lamentos e o assunto é tão comum que ninguém pára pra pensar, só pra falar. Mas o etnólogo Mário Souto Maior fez isso pela gente e escreveu um compêndio de palavras de baixo calão, o “Dicionário de Palavrão e Termos Afins”, que tem a contracapa de Jorge Amado, o escritor brasileiro que mais usou palavrão em sua obra, e comentários de Aurélio Buarque de Holanda, pai daquele dicionário convencional. Mário, não satisfeito em traduzir o que anda pela “boca suja” do povo, foi mais além e defendeu a tese de que palavrão é cultura e, portanto, literatura.

No entanto, nem todos concordam com a teoria de que os termos desta natureza sejam normais. “Não falo palavrão de jeito nenhum. Fui acostumada desde pequena a nunca falar e ensinei as minhas filhas a serem assim também. Mas depois de uma certa idade elas começaram a conviver com amigas que falavam e pegaram a mania. Pelo menos na minha frente elas tentam se segurar, mas de vez em quando escapa um e pedem desculpas”, conta a dona de casa Aída Figueiredo.

O psicólogo Gilberto Lúcio defende uma idéia a repeito dos palavrões que é de estarrecer o amante mais ardente do palavreado chulo. “É um falocentrismo sem fronteiras o ‘pra caralho’ que, ao lado do ‘embucetou’, forma um par perfeito para a demonstração da disparidade de avaliação dos gêneros. O que é bom pertence ao ‘caralho’, há toda uma simbologia fálica grandiloqüente e o que complica pertence ao universo feminino, mais especificamente à parte de sua genitália que é mais comumente ligada aos discursos machistas”, define Gilberto Lúcio.

Chocadas com estas conclusões? Gilberto destrincha ainda mais o universo destas expressões pouco lisonjeiras: “A proposição ‘Vá tomar no cú’ não me parece um caminho, digamos, adequado para permitir a emergência da razão e da verdade em um debate. Ainda que o interlocutor seja homossexual, caberia aí um esclarecimento tendo em vista que nem todos tomam, e quem toma pode gostar. Na expressão estão implícitas diversas subproposições: a primeira, de que ‘tomar no cú’ é algo extremamente ruim; em segundo, se subentende de que não há ninguém que sinta prazer em fazê-lo; e a terceira, de que tudo que se ‘toma no cú’ é necessariamente desagradável”, diz Gilberto, que apesar de suas restrições concorda que o palavrão pode passar a sensação de maior fidelidade na tradução dos sentimentos.

É de bom tom se controlar e não ficar falando vulgaridades e baixarias por aí. Mas mesmo com todo este saber a respeito destas palavras de cunho sexual e escatológico, não há necessidade de se reprimir diante de uma situação limite. Se for preciso não se faça de rogada, encha a boca e xingue, só que agora com conhecimento de causa, aquela progenitora de bezerro que insiste em te encher o saco!

E para quem interessar possa, aí vai o link do ensaio de Gilberto Lúcio da Silva sobre palavrão: http://7mares.terravista.pt/gilbertolucio/palavrao.htm