Meu primeiro bar gay

por | jun 30, 2016 | Comportamento

Na tentativa muitas vezes em vão de sair da órbita do meu pequenino umbigo, aumentei a área de cobertura de minhas antenas, passei a ler mais páginas do jornal e enfim entendi a enorme necessidade do cronista de sair de casa – ainda que seja às duas da manhã, com destino a um bar gay, o meu primeiro bar gay.

O lugar em questão fica na rua mais badalada do bairro mais badalado da badalada noite carioca: Mem de Sá, Lapa. Não se esconde. Ao contrário, exibe uma imponente bandeira arco-íris logo acima da porta, essa sim, estreita – nada de paredes de vidro como os açougues que se dizem pizzarias da moda. O que se passa do lado de dentro, só entrando para saber. E foi o que fiz.

Ele diz que o meu é o homem mais bonito do bar. Concordo. E fico com ciúmes: também quero levar uma cantada

Trata-se de um bar simples, com mesas de tampo de mármore bem próximas umas das outras. Há um palco onde se revezam animados intérpretes de videokê. Ao fundo, uma parede vermelha. Nos copos de vidro, cerveja de garrafa. Sem serviço de garçom, quem tiver sede que levante e vá até o balcão buscar sua bebida – boa desculpa para circular, seja qual for a real motivação de estar ali.

Durante a primeira garrafa, confesso agora aos meus companheiros de mesa que, apesar de balançar a cabeça em afirmativo, não faço idéia do que foi conversado. Por cima dos seus ombros, coloquei meus olhos para trabalhar. Na mesa mais próxima, só meninas, seis delas, bonitas, nucas aparentes e costas tatuadas. Ao lado, duas garotas no que parecia a primeira noite de nove e meia semanas. Atrás, dois rapazes cochichando no ouvido. Na pista, um casal dançando beard-to-beard. Beijo hetero, nenhum – o que causou imediato desconforto por me sentir eu a diferente.

Sentados afastados, preferimos não dar na pinta. Cogitamos colocar as alianças no bolso. Nenhuma demonstração pública de afeto, além dos dedos entrelaçados – não por acaso, debaixo da mesa.

Meu marido e um amigo cantam “My way”. A platéia nem espera o final da performance para começar a salva de palmas – me pergunto se a recepção seria a mesma caso eu, em vez do amigo, tivesse subido ao palco como partner e esposa. Antes de chegar à conclusão sobre a resposta, um rapaz alto, bem apessoado, direciona seus olhos azuis para mim e pergunta se a dupla de cantores é também de namorados.

Digo que não, não, sorrio, mostro a aliança – comemoro em silêncio a decisão de deixá-la em seu devido lugar. O rapaz exagera na expressão de susto, depois finge estar desolado, é simpático, me retribui o sorriso e pede desculpas. Ele diz que o meu é o homem mais bonito do bar. Concordo. E fico com ciúmes: também quero levar uma cantada .

Deixo escorregar o copo de cerveja, o de vidro, e me dou um banho: inconscientemente, havia dado (com licença para a cacofonia) um jeito de me tornar a garota da camiseta molhada . É quando se aproxima uma garota que me olha da sandália prateada à franjinha suada e diz que devo pagar 50 reais pelo copo.

– Ou, se preferir, beijar a Madona.

– Ah, beijar a Madona! – digo.

– Prazer, Madona! – arremata.

Satisfeita, noto que o bar já está quase vazio. Abaixo a cabeça e peço, como uma aluna da terceira série, para ir embora. Quero voltar mais vezes. Ou melhor, não quero voltar nunca mais. Que chegue o tempo em que a palavra simpatizante perca o sentido e todos possam demonstrar seus amores em qualquer lugar, sem bandeira.