O que houve com o Clarete? > Tinto, rosado ou branco?

Clarete. No Brasil, pela Lei nº 10.970, de 12 de novembro de 2004, os vinhos são assim classificados quanto às suas cores: a) tinto; b) rosado, rosé ou clarete; c) branco. Ou seja: clarete e rosado são a mesma coisa. Saiba mais sobre a Lei do Vinho no Brasil aqui. Essa definição se repete nos glossários dos sites da Associação Brasileira de Enologia (veja aqui). E também no da União Brasileira de Vitivinicultura (veja aqui).

Podemos ter um clarete doce, meio doce ou seco, quanto ao volume de açúcar. E ele não deixaria de ser clarete

Numa carta a um amigo, o poeta português Antero de Quental (1842-1891) fala ter provado alguns vinhos do Minho enviados por esse amigo. “Como originalidade ponho o clarete acima de tudo… Ao seco acho-o seco demais e, no gênero, prefiro-lhe o bastardo… Em conclusão: como tipo ponho o clarete em 1º lugar e ponho em último o seco”, avalia o poeta.

Ou seja, parece que se estabelece aqui uma diferença quanto ao teor de açúcar do vinho, pois entendemos pela carta que o clarete seria mais doce. Isso altera alguma coisa? Acho que não: podemos ter um clarete doce, meio doce ou seco, quanto ao volume de açúcar. E ele não deixaria de ser clarete.

Mas para criar mais confusão, o missivista fala de uma preferência pelo “bastardo”. A casta Bastardo é uma das utilizadas na Denominação de Origem Controlada da Beira Interior. É também uma das uvas tintas utilizadas no vinho do Porto (as variedades de destaque lá são: touriga nacional, tinta roriz, tinta barroca, touriga francesa, tinta cão, donzelinho, tinta francisca e mourisco tinto, além da bastardo). Os Portos são, contudo, doces. Fico confusa: o poeta teria bebido um tantinho a mais e ousou comparar vinhos doces com secos, ou simplesmente firmou que prefere os vinhos doces?

Mas esse estilo de clarete doce tem um fundamento.

Tenho aqui o texto de um anúncio de rádio (um spot), dos idos de 1947, na Rádio Tupi, onde o locutor lia o texto ao vivo, direto, durante um programa do lendário Almirante. O programa era patrocinado pelo Vinho Único e os estilos dos vinhos dessa marca eram apresentados: “clarete, grande vinho branco doce, moscatel licoroso, malvasia tipo porto, espumante tinto e licoroso…”

Não dá muito para entender as classificações do anúncio, pois, vejam: temos aí um “malvasia tipo porto”. Mas Malvasia (ou Malmsey ou Malvazia) é uma das quatro grandes variedades que fazem o vinho da Madeira. Será que usaram “tipo porto” em substituição a Madeira para facilitar o entendimento do ouvinte? Só que, no Brasil, Madeira e Porto eram igualmente conhecidos, como tudo de gostoso vindo de Portugal para a colônia.

A confusão é maior por existir uma variedade, a Malvasia Fina, conhecida também como Vital, plantada na região do Douro e que contribui como blend para o vinho do Porto branco – mas muita rara no Brasil dos anos 50.