Páscoa sem polêmicas

São duas datas importantes e muito próximas: a Páscoa Judaica e a Católica. A primeira, a original, é a principal festa dos judeus: celebra a fuga do Egito, a sua libertação. Ela começou dia 12 e vai até 20 de abril.

A segunda comemora a ressurreição de Jesus Cristo, o seu sacrifício na cruz. Deveria até ser a principal festa católica, mas perdeu para o Natal. Em ambas, um ponto de encontro: uma refeição ritual, ambas simbolizando a paz, agora centro de um livro polêmico, um best seller mundial, “O Código de Da Vinci”, de Dan Brown, cuja versão cinematográfica está para estrear.

Dan Brown explora particularmente a “Última Ceia”, mural pintado por Da Vinci no refeitório do convento dominicano de Santa Maria delle Grazie, em Milão, Itália. À direita de Jesus estaria Maria Madalena e não o discípulo João. Maria seria casada com Jesus e teria deixado descendentes: a confusão está rolando até agora. De fato, quem se detiver no quadro verá uma figura feminina, certamente: Maria Madalena reclinada ouvindo Pedro. Aquela Maria não poderia ser um João. É só ver a pintura. Mas a confusão está é no livro e não nas tradições.

Na Páscoa Judaica, a mesa não muda há milênios. Temos o “matzo”, o pão ázimo, chato, em memória à pressa da fuga e às condições precárias de se cozinhar no deserto, sem fermento e apenas contando com o calor do sol. Temos o “marror”, ervas e vegetais amargos lembrando a crueldade da escravidão no Egito. Poderia haver ainda salsa, rabanete, ovo, o “charoset”, uma pasta doce de frutas e vinho, e certamente um pernil de cordeiro. O cordeiro assado é um importante símbolo da Páscoa Judaica. Está também profundamente associado à festa cristã. E isso tudo com vinho, que, na época, seria quase que certamente tinto.

O ritual judaico exige que se bebam quatro taças durante a cerimônia. Uma quinta taça é deixada sobre a mesa; a porta da casa é aberta para que o Profeta Elias venha bebê-la. A refeição de Domingo de Páscoa entre católicos é também festiva, pois celebra a vida. Nas mesas, certamente pão e vinho. Os demais elementos variam de país para país. Os católicos europeus e do oriente também preparam um cordeiro, como o “agnellino”, dos italianos. Mas por aqui, usamos muito os peixes, talvez porque esse seja um dos mais antigos símbolos cristãos.

Acredita-se numa relação entre a sua crença e os peixes. Ela estaria inclusive na palavra grega para peixe: ICTHUS, um acróstico para “Jesus Cristo, de Deus, o Filho, o Salvador”. Ou: Iesous (Jesus), CHristos (Cristo), THeou (de Deus), Uiou (o Filho), Soter (o Salvador).

Não vamos esquecer também que no Evangelho de Lucas (24:42) encontramos uma referência a peixe na Última Ceia: “E ofereceram a ele (Jesus) um pouco de peixe assado, e favo de mel. E ele os tomou e comeu diante deles…”

Domingo agora é o dia das grandes peixadas, com destaque para a bacalhoada. E de vinhos, com toda a certeza. A Bíblia nos deixa 141 tranqüilizadoras citações sobre a bebida.

Mas uma polêmica bem mais amena e antiga se mantém. Que vinhos escolher, se preferirmos carne? E se optarmos pelos peixes? Minhas sugestões:

Se a escolha for um cordeiro, temos de abrir os melhores tintos que encontrarmos: Cabernet Sauvignons, Merlots ou Pinot Noirs, nas suas versões do Velho Mundo, de Bordeaux, da Borgonha. Ou italianos encorpados. E, aqui no Novo Mundo, não se esqueça dos Malbecs argentinos, dos Carmenères chilenos, nos Tannats uruguaios. E também dos nossos tintos, cada vez mais premiados. Se preferir outra carne que não a vermelha, as escolhas não serão diferentes.

Não importa muito seus diferentes estilos, os pratos com bacalhau costumam ser um tanto salgados. Muita gente prefere vinhos tintos encorpados, com bons taninos. Faz algum sentido, pois o sal vai domar os taninos. Prefiro vinhos verdes refrescantes e ácidos (difíceis de encontrar por aqui). Ou um bom Sauvignon Blanc. Se temos salada de bacalhau, um rosé ou um espumante.

Atum com molho apimentado: Cabernet Sauvignon. Siris, caranguejos: Chardonnay ou Riesling. Peixe na manteiga ou em molho hollandaise (ovos, manteiga, limão, sal e pimenta), os brancos de Rioja ou de Penedés. Peixe ensopado com tempero forte (alho, por exemplo), um Chenin Blanc, um Muscadet, um Trebbiano. Peixe com cogumelos: tintos como o Pinot Noir ou qualquer Beaujolais e também um Chardonnay passado pelo carvalho. Peixe grelhado: tintos leves, como o Beaujolais Villages ou um branco com a Sauvignon.

Um bom linguado vai bem com um Chardonnay. Peixes oleosos, como o herring: prefira um schnapps (um destilado de frutas fermentadas), um Jerez seco ou um espumante. Garoupa, truta: Sauvignon Blanc, Fumé Blanc, Pouilly Fumé.

Lagostas (cozidas, no vapor, grelhadas ou em molhos cremosos): um branco (se possível, da Borgonha), Chardonnay (no carvalho), Sauvignon Blanc. Mexilhões: Chardonnay nacional ou, com a carteira recheada, um Chablis. E até mesmo um Beaujolais (tinto).

Lulas (no molho de tomate): Sauvignon Blanc do Novo Mundo ou um Pouilly Fumé. Ostras ao natural: um bom Chablis, um bom Chardonnay do Novo Mundo, um espumante nacional, um italiano com a uva Pinot Grigio. Ostras, mariscos, lagostas e outros crustáceos cozidos: Sauvignon Blanc ou um Chardonnays (no carvalho).

Salmão grelhado: Pinot Noir, Beaujolais, Chablis, Pouilly Fumé, um Sancerre tinto.

Salmão defumado: Chardonnay, espumantes nacionais.

Sardinhas, tainhas: um vinho verde (português, claro) e qualquer vinho branco bem jovem (e que não tinha passado em carvalho).

Vieiras (as de Santa Catarina, por favor) ou Coquilles St. Jacques grelhadas: Sauvignon Blanc. Vieiras e as Coquilles em molho manteiga: vinho rosé, Riojas brancos, Chardonnays (sem carvalho), Pinot Grigio.

Sopas de frutos do mar: vinho Madeira. Saladas de frutos do mar: Sauvignon Blanc ou Pouilly Fumé.

Camarão (cozido ou grelhado): Chardonnay (sem carvalho), Pouilly Fuissé. Coquetel de Camarão: Sauvignon Blanc, um Jerez (Tio Pepe), um Pinot Noir jovem. Peixe defumado: Riesling, Chablis, Sancerre.

Sushi ou Sashimi: um Riesling seco, um espumante. Truta com amêndoas: Chardonnay, a maioria dos vinhos brancos alemães, Sauvignon Blanc, Chenin Blanc.

Pois então tem aquela história de que um dia o lobo ainda vai morar com o cordeiro e os dois vão viver em paz para a sempre. Não importa o credo ou os códigos, essas festas celebram a harmonia.

Mais dicas? É só clicar para o Bolsa ou escrever para a Soninha pelo [email protected]