Histórias de traição normalmente vêm seguidas de desespero, dor e humilhação. Nem todas, porém, são assim. Existe gente, acredite, que acha que trair não compromete o relacionamento e que ser traído não é tão ruim assim. Essas criaturas não acreditam em posse, ciúme, insegurança e acham que estão certíssimos em seus conceitos. Alegam que errada está a sociedade, afinal, cobiçar e ganhar o homem do próximo não é maldade é apenas dar vazão à vontade “irrefreável do desejo de ter o outro”. Esses “traidores” têm uma escala de definição muito peculiar do que é, e do que não é traição.
“É como escovar os dentes e tomar banho, as duas são necessárias, singulares e independentes. Eu traio por uma necessidade, quase fisiológica, minha. Não traio alguém, eu apenas busco alguém ou algo novo. Aliás, acho essa palavra muito radical, é um conceito forte. Traição para mim é outra coisa. Esse é um conceito muito ocidental, muito egoísta, de querer ter a pessoa só para si. O fato de querer algo novo não me impede de continuar querendo o velho. O que os olhos não vêem, o coração não sente.” É o que pensa Mara Almeida, 30 anos, que trai todos os seus namorados há pelo menos 15.
Eunice P., 36 anos, acha que a traição só existe quando há o comprometimento, o envolvimento emocional. Para ela penas uma transa não é traição. “Quando meu marido viajava eu sempre colocava camisinhas na mala dele. Um dia ele veio me perguntar o porquê dessa atitude e eu expliquei que estava me preservando. Ele ficou preocupado com o fato que eu também poderia dar as minhas escapulidas. Acho que a insegurança dele o fez pensar duas vezes antes de fazer algo que ele não gostasse que fizessem com ele.” Para Eunice, essa maturidade no pensar foi conquistada com o casamento. “Pequenas estripulias inevitáveis em viagens não podem atrapalhar um relacionamento sério e gostoso, com tantas outras coisas boas em comum.”
Tem, é claro, quem traia pelo motivo clássico: vingança. Por uma tremenda insegurança de trair antes de ser traída, Mônica, 29 anos se encaixa nesse perfil. “Traio e é crônico. Sempre traí. Eu traio por vingança. É uma coisa forte dentro de mim esse impulso da traição. É uma coisa cultural minha. Cresci num ambiente de traição. Minha avó trouxe uma sobrinha do interior para educá-la e meu avô a traiu com ela. Eles tiveram cinco filhos juntos. É um prazer sexual e psicológico. Trair me dava um prazer de missão cumprida, fiz a minha parte. Me deixa num estado de euforia interna. Na maior parte das minhas traições eu tinha o pensamento de que antes de ser traída, eu já traí.”
Histórias de traição não faltam e cada uma é mais hilária que a outra. A idéia é essa mesma, lidar com a traição com muito bom humor. Porque se o estupro é inevitável, relaxe e goze. “Uma vez estava de saco cheio do meu namorado, ele cheirava muito e mentia muito, mas gostava de ficar com ele, nosso sexo era muito bom e ele, por culpa, me tratava muito bem, me enchia de presentes etc, nós tínhamos muita coisa em comum, mas o pó me dava no saco. Um dia meu ex me convidou para uma viagem para Disney e eu não hesitei, arrumei as malas e passei uma semana nos parques da Flórida. Simplesmente sumi, não dei satisfação e falei para minha família dizer que não sabia onde eu estava. Na volta, achei que ele terminaria comigo e inventei que estava em São Tomé das Letras meditando, ele falou que não acreditava e eu simplesmente contei a verdade: Tá bom, na verdade eu estava na Disney com o meu amante. Aí que ele não acreditou mesmo. Mas fui sincera. A partir daí que descobri que as melhores desculpas são as verdades, porém camufladas. O negócio é omitir dados, assim fica mais fácil de lembrar e não cair em contradições.” – conta Mara, mais uma adepta da omissão, item básico no estilo profissional de trair .
Já os homens são unânimes: traem somente para satisfazer o ego, por puro tesão, por ser culturalmente permitido e não querem nunca magoar as oficiais. Será?! São adeptos da filosofia omita sempre e, se for inevitável, minta. E. S., 33 anos, declara: “Não me importo com exclusividade, desde que a prioridade seja minha. Eu sou igual ao macaco, eu gosto da sacanagem.” Numa ode ao cinismo, E. S. garante que o homem é um ser predador, que come pelo simples prazer de comer e não porque está com fome e que não sente culpa alguma na traição: “Quando o assunto é mulher, bicho mais sem-vergonha presente na face da Terra, não devemos nos preocupar com sentimentos, pois mulher, na primeira oportunidade que aparecer e sentir tesão, não hesitará.” Quem será a mulher que fez tão mal a esse ser para ele generalizar o nosso universo?
Outro caso clássico da rotina do traidor sem culpa vem do Sul. S. G., 53 anos, parou o carro no sinal e foi dar um beijo na amante, quando, através do vidro, reconheceu a melhor amiga da sua esposa no carro ao lado. Ficou rezando para não ser visto, mas não teve jeito. Friamente, sem mover os lábios, sussurrou para a amante: “Não se mexa e continue olhando para frente. Eram 19h. Mal o sinal abriu pisou fundo até despistar a amiga da esposa. Largou a amante no ponto de táxi mais próximo e voou para casa. Chegou arfando, às 19h10, com a mão no peito e disse para a pobre mulher que estava passando mal e queria dar uma volta de carro para relaxar. Percorreu o mesmo caminho, passou pelas mesmas ruas. Parou no mesmo sinal. Voltaram para casa, o telefone tocava desesperadamente. A mulher atendeu. Era a amiga contando a traição: “Vi seu marido com outra no carro, na rua tal, parado no sinal”. E a esposa, ingênua, rebateu: “Era eu”.
As histórias são essas. O negócio é trair sem culpa, mas se o inverso acontecer e você passar de traidor a traído, há que se manter a classe, respirar fundo e seguir em frente tendo a certeza: não foi a primeira vez, nem será a última.