Bicho do mato – Seja pela timidez ou por preconceito, para algumas crianças, se enturmar e convive

Bicho do mato, esquisita, caladinha, mosca morta ou simplesmente tímida. Dessas e de outras maneiras são chamadas as crianças que têm dificuldade de se enturmar com os colegas da escola. Seja por preconceito dos amiguinhos, que não sabem e não aceitam lidar com as diferenças, por conseqüência de um temperamento introvertido, pelo fato de a criança estar passando por problemas em casa ou até por ser um aluno novo no colégio. Mas esse isolamento, que deve ser observado por profissionais no colégio e em casa, com um pouco de tato e boas idéias, pode ser amenizado.

As crianças consideradas “diferentes” pelos colegas, na opinião da psicóloga clínica Karina Brodski, muitas vezes acabam se isolando. “Infelizmente as crianças são muito cruéis e se um colega se diferencia muito do que é o socialmente aceito, seja por usar algum tipo de aparelho ou até mesmo um óculos, ele acaba sofrendo preconceitos na escola”, completa. A estudante Vitória Albuquerque, de oito anos, chegou a pedir para usar lentes de contato pois não agüentava mais carregar o apelido de ‘quatro olhos’. “E o pior é que eu não posso fazer nada em relação a isso, pois ela ainda é muito nova para ter responsabilidade de cuidar das lentes”, lamenta a mãe.

No entanto, algumas crianças apresentam, por natureza, um temperamento introvertido. Ana Beatriz, filha da administradora de empresa Mônica da Silveira, é uma delas, e Mônica não mediu esforços para ajudá-la. “Tenho a lista com o nome, telefone e nome dos responsáveis de todos os colegas da turma da Ana Beatriz. Procuro sempre ligar para as mães e convidar as coleguinhas para ir na minha casa. Faço um lanche especial, alugo fitas e invento brincadeiras para as meninas”, conta a mãe, satisfeita com a mudança do comportamento da filha depois que começou a receber as coleguinhas em casa. “Ela está menos tímida e, inclusive, passou a se sentir segura e freqüentar a casa delas. Sorte que a insegurança era passageira”, completa Mônica.

Segundo Karina Brodski, é muito comum que estas crianças busquem atividades solitárias, como a computação e a leitura, e fiquem muitas horas na frente da televisão ou do videogame. Por isso, é importante que os pais fiquem atentos e estimulem atividades musicais e de esporte coletivo, como futebol, basquete, voleibol e tênis, que auxiliam na socialização.

O papel da escola também é fundamental. Para a pedagoga Fátima Diniz Pinheiro Werczler, a instituição deve ter como objetivo a socialização desde a educação infantil. As mais novas, segundo a pedagoga, são egocêntricas, não percebem o outro, pois estão começando a conhecer os seus próprios corpos, seus espaços, suas vontades e seus prazeres. “Quando começam a freqüentar a escola, no entanto, saem da trilogia ‘pai-mãe-filho’. Elas passam a conviver com outras crianças e observar as diferenças e semelhanças”, explica Fátima Werczler.

A escola deve promover esse autoconhecimento através da música, de brincadeiras, sempre de acordo com um planejamento apropriado à faixa etária da criança. “O fundamental é posicionar a criança em um universo em que ela possa se relacionar com outras e estimular a integração e a colaboração”, aconselha Fátima. Aos quatro anos, quando os pequenos já dominam um vocabulário e começam a ter noções de limite e valores, a escola já deve estimular a roda crítica, ou seja, a professora deve apresentar para o grupo situações que emperram o relacionamento de seus alunos. “Por exemplo, um colega bateu num outro coleguinha. A professora pergunta para ele o porquê dessa atitude. Isso vai ajudar a descentralizar a ação no grupo”, afirma a pedagoga.

Para Fátima, o fator de observação é importante. Os professores devem prestar atenção no aluno e perceber se o isolamento é uma constante. “Caso seja rotineiro, a família, então, deve ser chamada para uma conversa”, indica a pedagoga. “O importante é que essa criança não seja encarada como “uma criança problema” e que os profissionais trabalhem sempre em cima do real, sem achismos”, conclui Fátima.

E quanto à aprendizagem? Será que esses alunos apresentam baixo rendimento escolar? Na maioria dos casos, segundo Karina Brodski, não. Geralmente eles se refugiam nos estudos. A dificuldade, no entanto, costuma aparecer na hora em que não entendem algo da matéria proposta na escola e sentem vergonha em perguntar na frente de seus colegas. Alguns alunos também não se sentem à vontade para apresentar um trabalho para a turma, quando na verdade são academicamente brilhantes.

Devemos questionar o porquê desse comportamento e procurar meios para ajudá-las a se abrir para o mundo. Apenas dessa forma, elas não verão a vida passar de dentro de uma concha e poderão experimentar, explorar, desenvolver e crescer livremente nas muitas áreas em que precisam, e encontrar a maneira mais adequada de se expressarem.