Brinquedo: menina X menino

Pense bem rápido: você compraria uma boneca para o seu filho ou um carrinho para a sua filha? Diante do pedido é comum ficar nervosa. Mas, embora ache que há algo errado, saiba que está tudo nos conformes. É normal as crianças experimentarem brinquedos que, teoricamente, não seriam “para elas”.

De acordo com a psicóloga Rita Romaro, brincar é uma atividade lúdica que possibilita que a criança entre em contato com seu mundo interno, expresse e elabore suas angústias, medos, nas diversas etapas de seu desenvolvimento, independente de ganhos ou perdas.

Outra função do brincar é a de compreender o mundo e a cultura onde se vive e, brincando, as crianças fazem suas próprias descobertas. “Ao brincar a criança pode experimentar as fantasias e anseios do que é ‘ser’: o que é ser homem em relação à figura masculina e a figura feminina, e o que é ser mulher em relação à figura masculina e a figura feminina, o que é muito saudável”, diz Rita.

Estipular brinquedos é uma convenção social e cultural, que nem sempre se sustenta se pensarmos na revolução dos papéis atribuídos a homens e mulheres nas últimas décadas. “Antigamente, os pais delimitavam os brinquedos usados pelos filhos e filhas. Hoje, quando os homens participam ativamente dos cuidados e da educação das crianças e as mulheres exercem as mais diferentes profissões, não permitir que as crianças brinquem com brinquedos julgados “não próprios para seu sexo” é algo que não faz sentido”, observa a psicopedagoga Maria Elisa de Mattos Pires.

É por isso que em alguns países escandinavos como a Noruega, meninos e meninas brincam com os mesmos brinquedos. Por lá não existe distinção e a prática faz com que homens e mulheres tenham os mesmos direitos e deveres. Os pais devem estimular os filhos a brincar com vários tipos de brinquedos. Isso só traz benefícios para a criança.

“Apreender a lidar melhor com os conflitos e com os relacionamentos interpessoais, desenvolvendo suas habilidades, são aspectos positivos para o futuro”, diz Rita Romaro. Deixe a criança livre para escolher. Afinal, no mundo de relações as crianças terão que lidar com homens e mulheres. “A criança escolhe seus programas de TV – com heróis e heroínas -, seus brinquedos, brincadeiras, estórias favoritas de acordo com os conflitos e temáticas próprios de sua fase de desenvolvimento e/ou das situações de vida.”, explica a psicóloga.

Sexualidade à prova?

A grande dúvida dos pais é se o brinquedo influencia a preferência sexual da criança. De acordo com a psicopedagoga Maria Elisa de Mattos, o estabelecimento da sexualidade de um indivíduo é algo complexo e a preferência por um ou outro brinquedo não irá defini-la. O interesse de meninos por brinquedos considerados femininos e vice-versa não quer dizer nada sobre a opção ou identificação sexual. “Até que essa identidade se complete, a criança apresenta em sua personalidade tanto componentes masculinos quanto femininos. Isso não é anomalia”, diz.

O grande problema é que, na sociedade machista em que vivemos, é muito mais comum ver meninas brincando com brinquedos ditos masculinos, do que um menino brincar com uma boneca. Isso dificilmente alguém aprova. “Por vezes os pais não deixam o menino brincar com bonecas, mas permitem que brinquem com super-heróis (Homem Aranha, Batman, Falcon, Mulher Maravilha), que continuam sendo bonecos e expressam os aspectos idealizados, as identificações da criança”, salienta a psicóloga Rita Romaro.

Maria Elisa vai além. “O boneco permitirá que a criança brinque de luta e reproduza ações vistas em desenhos animados, nos quais, muitas vezes, a violência e a brutalidade são colocadas como características viris”, pontua.

Quando não permitimos que os meninos brinquem de boneca, estamos ensinando a eles que cuidar de filhos será uma obrigação das mulheres. A diferença na criação dos gêneros rende aos pequenos uma expectativa quanto ao papel que devem assumir e impede que se desenvolvam normalmente. O troca-troca rende bons frutos no futuro.

A criança pratica a lida com relações diferentes e emoções, tanto dela mesma como das outras pessoas. É um treino de tolerância e de lidar com a diversidade, sem preconceitos. O menino que brinca de panelinha poderá vir a ser um chef e a menina que brinca de carrinho poderá ser uma projetista de Fórmula 1. Afinal, o que é a brincadeira senão a simulação de situações futuras que servem de meios para que meninos e meninas construam e organizem os aprendizados a respeito do mundo? Meninas podem se dar bem no futebol e meninos, no balé. É só querer.

As mudanças pelas quais o núcleo familiar vem passando podem influenciar nas brincadeiras e na escolha dos brinquedos. “A criança que vive em famílias em conflito, tende a expressar essas vivências em suas brincadeiras. A criança cuja mãe trabalha também a vê desenvolver atividades até algum tempo restrita ao universo masculino”, esclarece Rita Romaro.

A psicóloga alerta que mais importante que o tipo de brinquedo é como a criança vê os pais se tratarem. “Isso ajuda na identificação com as figuras masculinas e femininas e na construção da autoestima e da identidade sexual. Se a mãe diz que homem não presta, então não é bom ser homem”, observa.