Travesseiro embaixo do braço, chupeta a postos, e o seu filho choramingando, com aqueles olhinhos tristes, te pedindo: “manhê, deixa eu dormir na sua cama? Só hoje…” Você olha para seu marido, olha para a vaga no meio da cama e faz um aceno convidativo. Afinal, é quase impossível negar abrigo para aquele que saiu de dentro da sua barriga. Fora que também é muito bom ficar lambendo a cria, mesmo que dormindo – atire a primeira mamadeira a mãe que não gosta de fazer isso. Mas, para tristeza geral das mamães-corujas, esse mimo não é lá muito recomendado.
Na casa da engenheira Cláudia Thompson, apenas visitinhas esporádicas já não garantem mais a felicidade de sua filha de três anos e meio. Há algum tempo, ela bate ponto diariamente no seu quarto na hora de dormir. “Minha filha dorme comigo todo o dia. No início, nós não a levávamos de volta para o seu quartinho por preguiça. Ela queria ver vídeo no meu quarto, acabava dormindo e ficava. Mas, hoje, ela dorme com a gente sem a desculpa do vídeo”, diz Cláudia, comentando ainda que, por mais que goste de dormir com a filha, está ciente de que esta situação vai ter que mudar em breve. “Ela vai fazer quatro anos e está na idade de dormir sozinha. Além do mais, estou grávida e o espaço na cama está ficando apertado”, completa ela.
Outro que também não perde uma oportunidade de pernoite no quarto dos pais é Conrado. Chega assim de mansinho, como quem não quer nada e, pumba!, capota lá mesmo. “Ele sempre faz um pit stop na minha cama antes de ir pro quarto dele. Aí, sou obrigada a removê-lo depois de apagado. Sei que está ficando grandinho pra isso, já tá com nove anos, mas como ele também não reclama de ir pra cama dele, relevo o dengo”, conta a arquiteta Renata Cabral.
Muitas vezes, o visitante acaba fixando residência. Consequentemente, a cama se torna apertada demais para a família toda, então, alguém tem que sair. Isto aconteceu com o pai da estudante de odontologia Priscila Taques. Ela conta que tomou seu lugar na cama e só o devolveu aos treze anos de idade. “Eu sempre dormia na cama com a minha mãe e meu pai acabava tendo que ficar num colchonete. Nesta época, eu era muito tímida e caseira, não gostava de sair com as minhas amigas, preferia ficar em casa com a minha mãe”, diz a estudante. Cenas parecidas, provavelmente, ocorrem todas as noites em muitos lares. No entanto, situações assim, apesar de corriqueiras e aparentemente inofensivas para pais e filhos, podem fazer com que a criança estabeleça a idéia de que não consegue dormir sozinha, criando um comportamento de dependência e insegurança. O pediatra Cláudio Barbosa ressalta ainda que o pai nunca deve ceder o seu lugar na cama para o filho. “Fazer isso é um erro”, diz ele.
Com medo de dizer não para os filhos ou por pura comodidade, muitos casais concordam com essas visitas noturnas – quando não estimulam. “Desde bebê, a criança tem que ter o seu espaço. Ela precisa entender que o quarto dos pais não é o dela. É preciso explicar que, assim como cada um tem sua escova de dente, cada um tem seu próprio quarto. Além do mais, quando a criança dorme no quarto dos pais, ela tira o conforto e atrapalha a privacidade do casal. A mesma coisa é quando o filho estiver doente, o ideal é que a mãe dê a assistência necessária no quarto dele e nunca ao contrário”, diz a psicóloga Vera Abunahman, ressaltando que isto não implica em levar a mala e a cuia pro quarto do rebento. “Nunca se deve montar uma estrutura fixa no quarto do filho, como outra cama pra mãe. No máximo um colchonete, para mostrar que ela só está ali por um motivo fora do comum”, aconselha o pediatra Cláudio Barbosa.
Um fator determinante para essa fuga em massa de criancinhas indefesas para a cama dos pais é o medo. E olha que é medo de tudo: de escuro, de ficar sozinho, do bicho-papão, de monstro embaixo da cama… imaginação de criança não tem limites. “Quando a criança acordar com medo e for para a cama dos pais, o certo é levá-la de volta ao seu quarto e ficar junto um pouquinho. Se precisar, deixe até uma luz acesa para mostrar que este quarto também é seguro. Agora, se a criança dormir no quarto dos pais, nunca vai enfrentrar seu medo”, diz o pediatra Cláudio Barbosa. Para tentar evitar esse tipo de comportamento, é importante que antes de dormir a criança tenha um ritual que indique que está tudo tranqüilo e, portanto, não precisa ter receio. “Precisa ter uma indicação que chegou a hora de dormir, pode ser escovar os dentes, rezar, ou até mesmo ouvir uma historinha contada pelos pais”, comenta a psicóloga.
Tá certo. É prejudicial ao seu desenvolvimento como pessoa, é incômodo, mas como agir na hora em que a criança estiver prestes a se enfiar debaixo dos lençóis? Segundo a psicóloga Vera Abunahman, não tem jeito, por mais que corte o seu coração, é preciso dizer um categórico NÃO todas as vezes que ela pedir. ”Deve ser uma regra. O que significa que não pode ficar a critério do humor dos pais, que um dia permitem e outro proíbem. Se isso acontecer, a criança ficará perdida, sem saber se pode ou não”, afirma Vera. No entanto, se a criança já fez ninho na cama dos pais, essa separação não será muito fácil, o que requer paciência. ”Nos primeiros dias, deve-se ficar com o filho até ele dormir. Conversar, explicando que os pais estarão no quarto ao lado e qualquer coisa que ele precise no meio da noite, é só chamar”, completa a psicóloga.
Afinal, porque é tão importante uma criança ter seu próprio quarto? Pelo mesmo motivo que um adulto, para servir como um refúgio. Deve ser um local em que a criança se sinta confiante e independente. É bom lembrar que muitas vezes são os pais que não querem se separar dos filhos e acabam prejudicando seu desenvolvimento.