Filhos do coração

por | jun 30, 2016 | Gravidez e bebês

Irmãos brigam, têm ciúmes uns dos outros. Mesmo aqueles que se dão muito bem, volta e meia, miram seus descontentamentos entre si: o mais velho acha que está sendo preterido pelos pais em detrimento do mais novo, já o caçula diz que o do meio é o privilegiado. Se a competição pela atenção é natural entre irmãos biológicos, como seria se o casal decidisse adotar uma criança, se potencializariam os conflitos? Será que os outros filhos conseguiriam aceitar no convívio alguém que não nasceu da barriga da mamãe?

É natural dúvidas como essas permearem o imaginário dos casais que já têm filhos biológicos, mas guardam em si o desejo de adotar uma criança. Como primeiro passo para tentar dissipar as inseguranças, os pais devem entender claramente os motivos que os levam a decidir pela adoção. Tendo nítidas essas idéias, será possível transmiti-las para os filhos que já possuem, explica a psicoterapeuta Patrícia Poerner Mazeron, especialista em psicoterapia psicanalítica de adultos, casais e famílias pelo Contemporâneo Instituto de Psicanálise e Transdisciplinaridade, em Porto Alegre.

Esta relação pode ter componentes de estruturação da personalidade muito valiosos para ambos e sedimentar um modelo de relações de companheirismo e de amizade

“É importante que se diga sempre a verdade de maneira clara aos filhos biológicos, ou mesmo aos anteriormente adotados, para que possam acolher este novo membro sem sentirem-se ameaçados. Antes de adotar, o casal deve ter uma conversa franca em família, expondo as razões de cada um e atendendo aos questionamentos dos filhos, com explicações adequadas à faixa etária da criança”, complementa Patrícia.

A psicanalista Ingeborg Bornholdt, da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, compara o período antes da chegada de um irmão adotivo a uma gravidez, com seu longo desenrolar até a chegada do bebê: “A criança vai acompanhando os preparativos concretos e subjetivos para a chegada do irmão. Quanto mais franco, simples, transparente o assunto for abordado, melhores condições de aceitação se construirão. Talvez ajude pensar que os pais não precisam explicar a decisão demasiadamente. Mas quanto mais puderem compartilhar, mais podem incluir o filho biológico neste grande acontecimento dentro da família”, diz a psicanalista.

Segundo a pediatra e psiquiatra Ana Sfoggia, mestre em pediatria pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, se os pais estiverem tranqüilos com a adoção, sentirão-se recompensados por sua escolha, e até orgulhosos, e essa será a base das relações entre os irmãos. “E quando é evidente a aceitação das diferenças entre os filhos por parte dos pais, eles podem ser amados em toda a sua complexidade e isso vai orientar o modo como irão encarar não só suas relações fraternas, mas também as demais relações em suas vidas”, explica.

Eventuais manifestações de insegurança tanto dos filhos biológicos como dos adotivos podem ser evitadas também a partir das atitudes e do posicionamento dos pais. Para Ingeborg, quanto mais o filho adotivo receber cuidados amorosos e íntegros na família que o adota, maiores suas possibilidades de desenvolvimento.

Mas cuidado com a dose: o exagero pode piorar as coisas. Não deixe os filhos usarem a adoção como instrumento de manipulação de sentimentos. O filho adotado não deve ficar no lugar de bode expiatório nem tampouco deve ser superprotegido. “Os pais precisam levar em consideração que conflitos tendem a ser intensificados nessa situação, uma vez que de fato existe um filho que, em outro momento, não foi desejado por outra família”, alerta a psicoterapeuta Patrícia Mazeron.

Bem orientados e recebendo atenção e amor dos pais, irmãos biológicos e adotivos tendem a levar, para o resto da vida, ensinamentos que a convivência saudável possibilitou na idade mais tenra. “Esta relação pode ter componentes de estruturação da personalidade muito valiosos para ambos e sedimentar um modelo de relações de companheirismo e de amizade”, finaliza a psicanalista Ingeborg Bornholdt.