Santo de casa faz milagre?

Quando um filho está doente bate um desespero, seja por medo ou por não saber o que fazer. Mas e quando a mãe ou o pai são médicos, mais especificamente… pediatras? Será que o lado racional fala mais alto nessa hora? Vejamos um outro exemplo: no meio daquela bagunça, de brinquedos espalhados e gritaria, será que uma mãe psicóloga consegue, de fato, usar toda a psicologia estudada em anos e anos de faculdade? É, quando se trata da própria família, nem sempre toda a experiência de anos de carreira conseguem ser suficientes. Mas será que “santo de casa não faz milagre” mesmo?

Para a pediatra Rosana Marta, depende da situação. “Quando minha filha tinha três anos, caiu da escada e teve um cortezinho na testa. Fiquei super nervosa, com as pernas bambas, quase não conseguia ficar de pé. A sorte é que meu marido estava em casa e teve muita presença de espírito. Ele não é médico, mas limpou o machucado e fez um curativo, com todo o jeitinho. No dia seguinte, fomos ao hospital para tirar uma radiografia e estava tudo bem. O médico, inclusive, elogiou o curativo, disse que estava muito bem feito. Me senti uma pateta”, diverte-se. Por outro lado, em outro caso, foi ela quem tomou o controle da situação. “Aos cinco anos, minha pequena teve gastroenterite, uma infecção que ataca o estômago. Ela ficou muito fraquinha, não comia nada e, por causa da diarréia, corria o risco de se desidratar”, conta. Rosana conta que não há como não deixar o coração de mãe falar mais alto em um momento assim. “Eu já havia tratado centenas de casos iguais, mas ver a minha filha daquele jeito me deixou muito abalada. É claro que eu sabia o que fazer, mas achei melhor pedir a opinião de um colega, só para ter certeza. Felizmente, acabou ficando tudo bem”, diz aliviada.

É incrível, eu consigo fazer milagres com os filhos dos outros, mas em casa, não tem jeito. Nem toda a psicologia do mundo dá jeito nos meus dois pestinhas

Já a experiência de Maria Estela Silva foi um pouco mais traumática. Parece até ironia do destino, mas a oncologista infantil descobriu que sua segunda filha, Julia, aos dois anos, tinha leucemia. “Foi um grande choque receber a notícia. Como eu sabia exatamente o que a doença provocava e que o tratamento precoce dá mais chances de vida para o paciente, corri para tratá-la o mais rápido possível. Providenciei logo todos os exames, os remédios e a internação. O mais incrível foi quando fizemos os testes de compatibilidade para descobrir se na família havia algum possível doador de medula. Eu mesma era compatível”, relembra, emocionada. “Às vezes fico pensando que Deus enviou a Julia justamente para mim com o propósito de que eu a salvasse bem depressa”, diz.

A experiência ajuda

Maria Estela conta ainda que, no susto, não sabia diferenciar as preocupações de mãe com as de profissional. “Sempre fico arrasada quando confirmamos um caso. Me preocupo muito com meus pacientes, ainda mais depois que virei mãe. Sempre via o sofrimento dos pais com a notícia e me sentia na obrigação de tratar aquela criança como se fosse minha. Quando o exame da Ju deu positivo, foi um balde de água fria, mas eu passei a trabalhar como no ‘piloto automático’. Fiquei meio apática, só queria saber de checar os exames dela, ficar com ela no hospital. É claro que o lado mãe fala muito alto numa hora dessas, mas minha experiência profissional foi fundamental para que eu não ‘entrasse em parafuso’. Eu sabia exatamente o que estava fazendo e sabia que teria chances de salvá-la”, orgulha-se.

Nem Freud explica

Apesar de passar por momentos bem estressantes em casa, a psicóloga Luciana Dias se diverte ao contar como é a relação com os dois filhos, Lucas e Pedro, de 5 e 9 anos, respectivamente. “É incrível, eu consigo fazer milagres com os filhos dos outros, mas em casa, não tem jeito. Nem toda a psicologia do mundo dá jeito nos meus dois pestinhas. Já tentei todas as técnicas que conhecia, já reli meus livros da faculdade umas cem vezes, mas a hora de fazê-los arrumar a cama ou escovar os dentes é sempre uma batalha”, lamenta.

Luciana conta que, apesar de saber como se deve agir com as crianças na teoria, as coisas acabam sendo diferentes em casa. “Eu tento agir como ajo com meus pacientes, mas como eles são meus filhos e têm toda intimidade comigo, às vezes perco um pouco a credibilidade. Quando falo com meus pacientes, eles me ouvem mais porque me vêem como uma profissional, uma pessoa que estudou para ajudar a resolver os seus problemas, mas também porque sou uma pessoa relativamente desconhecida e não há vínculo íntimo entre nós”, comenta.

Ela diz que isso é normal, já que os vínculos, ainda mais familiares, fazem as pessoas se tratarem de forma mais instintiva, relaxada. “É por isso que não se recomenda um tratamento psicológico com profissionais conhecidos. A criação de vínculos pode atrapalhar, porque o paciente acaba deixando de contar certas coisas ou mesmo não dá ouvidos aos conselhos profissionais”, explica. Nesse caso, parece que vale o ditado lá do começo da matéria: “santo de casa não faz milagre mesmo”. Em casos assim, ela recomenda que se procure um profissional que não esteja em nenhum círculo de convivência do paciente.

De fato, toda a experiência e profissionalismo ajudam a resolver qualquer caso médico, mas nada substitui o amor de pai e mãe quando o “paciente” é o seu pimpolho. “O amor é o melhor remédio, sempre!”, dizem, em unanimidade, Rosana, Estela e Luciana.