Tempo de recomeçar

Aquele momento tão esperado chegou e a cegonha finalmente bateu à sua porta. Mas, durante a gestação, algo não ia bem, e junto com a ultrassonografia e as expectativas, veio a notícia: seu bebê não virá mais. Sofrer um aborto e perder um filho é uma situação difícil e dolorosa – ainda mais quando a dor não é esquecida e a insegurança atrapalha o sonho futuro de ser mãe. “O ser humano tem que lidar com perdas o tempo todo. A única certeza que se tem é a morte. A vida é um ciclo e tudo nela tem seu tempo. Ter essa consciência ajuda a lidar com a dor e a tristeza desse processo”, diz a psicóloga Josie Zecchinelli, do Espaço Mamãe da Hora e coordenadora do site Maternidade Consciente.

A advogada Daniele Nobrega, de 28 anos, é uma das que tiveram o sonho da maternidade adiado pelo destino. “Sofri um aborto espontâneo com seis semanas de gestação. Descobri em um ultrassom que meu bebezinho não tinha mais batimentos cardíacos. Nenhuma mãe espera por isso. É um choque, seguido de um vazio e de uma sensação de impotência total”, conta. Mesmo com todo o apoio de amigos e familiares, Daniele confessa que demorou a superar a tristeza. “Perder um filho é uma dor isolada, só sua, que você não consegue dividir com ninguém”, desabafa.

Com 16 semanas de gestação, episódio semelhante se repetiu no lar da enfermeira Ana Paula Freitas, de 29 anos. “Nossas expectativas eram enormes para a chegada do bebê. É impressionante como podemos amar tanto alguém que nunca vimos. Nossas famílias estavam contentes, já tínhamos escolhido o nome e comprado algumas peças do enxoval”, revela Ana Paula. A fuga foi um dos meios encontrados pela enfermeira para se proteger da dor. “O aborto causa na gente duas agressões: a física e a psicológica. Eu não podia ver grávidas nem recém-nascidos. Certa vez, fiz uma coisa horrível, da qual me envergonho até hoje: atravessei a rua quando vi uma amiga grávida vindo em minha direção”, relembra.

Com a editora de vídeo Luciane Saraiva, de 27 anos, a história foi um pouco diferente. Ela não sabia da gravidez até um pouco antes de receber a notícia de que havia perdido seu pequeno. “Aos dois meses de gravidez, sofri uma queda da escada da minha casa. Quebrei o cóccix, tive que tirar raio-x e tomar remédios que não se deve tomar quando se está grávida. Quando recebi a notícia sobre a gestação, fiquei muito preocupada e fiz de tudo para segurar o neném. Cheguei a comprar algumas roupinhas, mas quando fui fazer exame, o bebê já havia saído”, recorda Luciane. Mas o fato de não saber da gravidez não diminuiu sua frustração: “Se eu pudesse segurá-lo dentro de mim, faria qualquer coisa. Passei noites em claro, com um misto de tristeza e incapacidade”.

Lidando com a dor

Mas as perdas fazem parte da vida e saber encará-las é pré-requisito para a felicidade. “As perdas sentimentais são passageiras. Precisamos tirar o aprendizado, nos desapegar e dar lugar para o novo”, aconselha Maria de Fátima Nunes Franco, psicoterapeuta da Clínica Florescer para gestantes. Por isso, o primeiro passo para acabar com a tristeza é ter em mente que não temos total controle sobre a nossa vida. “Nosso corpo tem uma sabedoria natural e instintiva que é a de reconhecer se o feto está ou não saudável. Se o útero estiver preparado, a mulher estiver pronta e o feto estiver bem, a gravidez irá continuar”, garante a psicóloga Josie Zecchinelli.

Depois, é preciso encarar a situação de frente. “A vivência do luto é necessária. A mulher precisa de um tempo para lidar com a dor. Fingir que nada aconteceu não vai fazer com que a situação deixe de existir. O medo e a tristeza continuarão latentes e em algum momento irão aparecer”, explica Josie. E as implicações de uma fuga dessa situação podem ser ainda mais graves e prejudiciais. “Esse comportamento pode tensionar o corpo da mulher, dificultando seu objetivo de engravidar novamente”, ressalta a psicóloga. Por isso, “é importante que a mãe assista a tudo. Dói intensamente no momento, mas acaba com as fantasias e ajuda a finalizar o processo”, conclui Maria de Fátima.

Conversar com quem já passou por situações semelhantes e buscar o apoio de amigos e parentes também ajuda a amenizar o sofrimento. “Recebi muito apoio de meu marido, dos meus pais e dos familiares mais próximos. Embora não seja capaz de acabar com a angústia da perda de um filho, a ajuda deles te faz reagir, enxergar que o mundo não acaba ali, que ainda há muito por vir e que outras pessoas precisam de você”, conta Daniele.

Se, ainda assim, a perda não for superada, o melhor é buscar ajuda psicológica especializada. “O apoio psicológico é importante, pois ajudará a mulher a vivenciar o luto e a se libertar dos traumas passados. Com isso, ela estará mais saudável e segura para gerar uma nova vida”, diz Fátima. E ela completa: “Isso é de extrema importância também porque o que a mãe transmite para o bebê, desde as primeiras horas de gestação, fica gravado para sempre no seu inconsciente”.

Uma nova chance

Ao contrário do que muita gente pensa, os abortos não causam nenhum problema de infertilidade feminina e a probabilidade de uma nova gravidez é grande. “Toda mulher tem uma chance real de 15% de abortar. Se isso ocorre, suas chances de gerar uma criança novamente não são afetadas”, esclarece Sérgio Simões, ginecologista e diretor de comunicação da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig).

Ainda que o tempo ideal de espera para uma nova gravidez varie de mulher para mulher, dá para calculá-lo, em média. “Recomenda-se que ela espere de um a três meses dependendo do estado geral de sua saúde. Se ela teve muito sangramento e ficou anêmica, por exemplo, precisará de três meses para se recuperar da anemia e, então, ser liberada para engravidar novamente”, explica Simões. Antes, “o ideal é que a mulher investigue as causas hormonais, nutricionais e psicológicas que possam estar envolvidas com a perda”, acrescenta Fátima. Segundo Simões, manter uma dieta rica e saudável, realizar exames laboratoriais periodicamente e evitar exercícios físicos muito intensos são atitudes fundamentais para atestar a saúde da mãe e garantir uma gravidez mais tranqüila.