Seja gentil: atenção e pequenas atitudes podem abrir caminhos contra a depressão

O poder da gentileza vai além do que conseguimos enxergar. Simples para quem faz, intensas para quem recebe, as atitudes bondosas são capazes de plantar a semente que irá transformar a vida de uma pessoa, sem que ela ou ninguém se dê conta disso.

E, com sorte, elas podem até salvar vidas. “Ao contrário do que muitos pensam, todos podemos fazer algo para ajudar quem está passando por uma grande dor”, defende a psicóloga Karen Scavacini, mestre em Saúde Pública na área de Promoção de Saúde Mental e Prevenção ao Suicídio pelo Karolinska Institutet, na Suécia.

Pequenas atitudes têm um grande impacto

Especialistas na área de saúde mental e depressão concordam que a atenção e empatia de quem está em volta podem ser absolutamente transformadores para pacientes com tendências suicidas.

Um levantamento feito pelo Ministério da Saúde constatou 62.804 mortes autoinfligidas no Brasil entre 2011 e 2016. No mesmo período, houve pelo menos 48.204 tentativas de suicídio.

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Para a especialista, entre tantas providências que precisam ser tomadas, o papel da sociedade como um todo é muito importante para combater o surgimento de novos casos. 

“Muitas pessoas ficam receosas de conversar com alguém em grande sofrimento, por achar que não têm ferramentas para auxiliar, mas isso não é verdade”, diz a especialista. 

Como notar sinais

É possível identificar quem está sofrendo tanto a ponto de pensar em tirar a vida, pois cerca de 70% dessas pessoas dão sinais e dicas de que estão pensando em morte.

“Porém, poucas pessoas percebem, e a maioria não sabe como agir”, relata a psiquiatra Alexandrina Meleiro, da Associação Brasileira de Psiquiatria.

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Um dos sinais mais claros, de acordo com as especialistas, é a mudança brusca de comportamento e de humor, bem como o isolamento social atípico, muito sono ou falta dele. “Além de abuso de bebida alcoólica ou outras drogas. Esses são alguns sinais óbvios de problemas emocionais sérios“, comenta Meleiro. 

Há também casos em que a pessoa expressa mais diretamente seus sentimentos e diz frases como: quero morrer; gostaria de estar morto; vou me matar; a morte resolveria os problemas; estou cansado da vida, quero dormir e não mais acordar, exemplifica a psicóloga Karen Scavacini. 

“Isso significa que basta prestar um pouco mais de atenção ao familiar, ao amigo, ao colega, ao vizinho para perceber os sinais de que algo não está indo bem”, conclui Karen. 

Como conversar 

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A psiquiatra Alexandrina Meleiro também mostra algumas maneiras de conversar francamente e sem julgamentos com essa pessoa. “Use frases como: ‘Tenho percebido que você não anda bem’, ‘estou preocupado com você’ e ‘tenho notado você triste'”,  recomenda a especialista.

Evite clichês ou frases prontas como: ‘Isso vai passar’, ‘não vale a perna sofrer por isso’ e ‘isso é bobagem, bola pra frente’. Apesar de parecerem incentivos, elas soam como um menosprezo ou minimização da dor. Além disso, nunca podemos julgar o sofrimento do outro pelo nosso.

Sempre que possível, visite o ente que tem se mostrado abatido. Mostre-se presente fisicamente e proponha programas caseiros e tranquilos, não apenas convites para festas. Muitas vezes, a mera presença de alguém conforta.

“E não tenha medo de usar a palavra suicídio, pois ela também serve para o indivíduo perceber a realidade do ato e como pode impactar outras pessoas”, opina a psicóloga Karen Scavacini.  

Ter empatia faz toda a diferença

A empatia pelo problema do outro é o passo zero para a prevenção do suicídio, defende Scavacini. É preciso, segundo ela, que as pessoas despertem mais o lado humano que há em cada uma delas, para que o sofrimento alheio não seja julgado ou desprezado.

“Já escutei muito no consultório quem diz que não fica perto de gente com ‘energia ruim’. Mas se essa pessoa nunca está bem, há algo acontecendo. E é exatamente quando ela não deve ser excluída, pois pode haver uma piora considerável de quadro”, alerta a psicóloga. 

Outro ponto importante par o qual a psiquiatra e psicóloga ouvidas para esta reportagem chamaram atenção são os novos hábitos sociais da atualidade. 

“As pessoas precisam recuperar a conversa olho no olho. Hoje em dia todos estão com a cara em seus smartphones, ninguém presta atenção em si ou no outro. Isso deixa todo mundo mais solitário e precisa ser evitado”, enfatiza Alexandrina Meleiro, da ABP. 

Encaminhe para um especialista

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Além de dar apoio presencial e conversar sem julgamentos, é importante conversar com a família dessa pessoa e encaminhá-la a um tratamento especializado.

Aconselhe-a a procurar um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que oferece atendimento profissional gratuito, ou um psiquiatra e um psicólogo do convênio médico ou particular, para avaliação e início do tratamento. 

“Sempre podemos fazer a diferença na vida de alguém. É preciso sensibilizar as pessoas de que é importante que elas façam algo para as outras. Não se envolver com os desafios dos outros também nos causa uma grande solidão. Você faz diferença na vida de alguém”, reforça a psicóloga Karen Scavacini. 

Saúde mental e depressão