Logo que nascemos o mundo se abre para nós em descobertas. Guardamos sempre diferenças de interesses e na aprendizagem, mas há um ritmo mais ou menos esperado em que os seres humanos começam a despertar suas habilidades. Há pessoas, no entanto, que aceleram esse ritmo e se desenvolvem muito acima das expectativas. São elas que chamamos de superdotados, ou dizemos ter altas habilidades. De acordo com a especialista em educação especial Márcia Netto, estudiosos apontam que entre 15% a 20% da população escolarizada tem superdotação. No entanto, o censo escolar de 2005 detectou que apenas 0,003% dos matriculados têm capacidades especiais. A discrepância demonstra que enormes talentos podem estar se perdendo por simplesmente não terem sido descobertos.
Foi a partir destes dados que o Governo Federal, em parceria com a Unesco, montou o programa de Núcleos de Atendimento a Altas Habilidades/ Superdotação (NAAH/S), que hoje tem uma unidade em cada estado. “Acreditamos que é muito importante que a família, aluno e professores sejam preparados conjuntamente”, afirma Márcia Netto, que coordena a Unidade de Atendimento aos Professores no Estado do Rio de Janeiro. “Meu trabalho consiste em ir até os professores em cada região do estado levando informações e materiais para que eles possam entender o que é a superdotação e observar entre seus alunos quais possivelmente guardam grandes talentos. Esse é o primeiro passo para que se possa dar atenção especial a quem precisa”, explica.
Há quem tenha problemas com seu talento, há outros que aceitam bem as diferenças e sabem lidar com suas altas capacidades. Tudo depende e o atendimento psicológico não deve ser procurado por todos, apenas por quem precisa
Quem é superdotado?
A superdotação não está ligada necessariamente a uma área, como se pode pensar. A definição nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica de 2001 considera crianças superdotadas e talentosas as que apresentam notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isoladamente ou de forma combinada: capacidade intelectual geral, aptidão acadêmica específica, pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para as artes e capacidade psicomotora. “Eu posso fazer coisas incríveis, mas sou uma repetidora. Eu imito os outros. Essas crianças fazem diferente, criam novos caminhos. Eu gosto muito de música, mas ele estuda música pelo menos 9h por dia. Isso para quem não tem esse talento é insuportável. Para ele é necessário”, exemplifica Márcia Netto.
A consultora da Unesco no projeto Marina Capistrano lembra que a precocidade é mais uma característica distintiva e que superdotados não são, necessariamente, sinônimo de notas altas na escola. “Muitas vezes eles são alunos que não se adequam ao sistema, acabam reprovados”, comenta. Para identificar esses alunos, o programa utiliza uma ficha desenvolvida pela Dr. Cristina Delou, uma das referências brasileiras do assunto. São perguntados alguns comportamentos observáveis ligados a características de inteligência geral, pensamento criador e capacidades de liderança e psicomotricidade.
A professora de psicologia da PUC-Rio Maria Helena Novaes, especialista no tema, afirma que os pais têm grande contribuição a dar, percebendo em seus filhos esses talentos, o que pode ser feito comparando o desempenho deles ao de outras crianças. No entanto, a professora alerta que os pais não devem se preocupar inicialmente com isso, para evitar que idealizem a capacidade dos filhos. Ela aponta ainda que apesar dessas características geralmente surgirem por volta de três ou quatro anos, acontecem também habilidades tardias, que só aparecem depois dos 10, 15 anos de idade. Márcia Netto afirma que é apenas com a convivência que se pode detectar a superdotação. “A ficha é um dos instrumentos de avaliação. O aluno passará por outros testes até chegar a um grupo de convivência aqui”, diz. “E alguns alunos já foram desligados porque apenas com o tempo percebemos quem tem e quem não tem essas habilidades”, completa.
No NAAH/S do Rio de Janeiro, a sala de aula foi dividida em dois ambientes: no primeiro, computadores estão sobre as mesas, mapas e um guia do esqueleto humano cobrem as paredes. No segundo, estantes cheias de jogos, peças para serem montadas e livros. É neste espaço que convivem crianças entre quatro e 18 anos, participantes de oficinas que desenvolvem não apenas a área em que demonstram habilidade, mas diversas potencialidades, tudo de acordo com os interesses individuais. Marina explica que a idéia é trabalhar com inteligências múltiplas e, por isso, os alunos são estimulados a desenvolver atividades diferentes em certos momentos, mas também fazer atividades específicas, de acordo com as habilidades específicas.
Os superdotados
Os alunos atendidos são de uma energia incrível. A maioria brinca o tempo todo, fala muito, mantém-se atenta às atividades propostas. Marina explica que no início o grupo era bem menor – hoje são atendidos cerca de 30 alunos, em dois turnos, e os alunos escolheram conviver juntos – dos menores aos mais velhos. As crianças costumam não precisar de atendimento psicológico, ao contrário dos jovens. “Realizamos atividades de autoconceito pedagógicas, que trabalham com a questão das diferenças e capacidades. Mas os adolescentes sentem mais essa questão e costumam precisar de mais apoio. Muitas vezes, é justamente o não reconhecimento do talento pela escola que vai gerar baixa-estima, reclusão e, conseqüentemente, a perda do talento”, explica.
A psicóloga Maria Helena Novaes afirma que o superdotado é muito ligado a uma ou algumas atividades, em geral de maneira precoce, mas isso não impede que sejam imaturos em outras áreas e demonstrem insegurança e dificuldades de convivência. “Há quem tenha problemas com seu talento, há outros que aceitam bem as diferenças e sabem lidar com suas altas capacidades. Tudo depende e o atendimento psicológico não deve ser procurado por todos, apenas por quem precisa”, informa. Maria Helena acredita que o mais importante é que a criança cresça em um clima de segurança e afeto e que seja estimulada naturalmente a exercer as atividades de que gosta. “Mas é preciso regular até o estímulo. Os pais devem procurar um ponto adequado que é quando a criança está feliz e demonstrando se desenvolver”, afirma.