Ele beijou a ponta dos meus dedos. Meus dedos inteiros. A palma da minha mão. Sugou o meu pulso, engoliu meu antebraço e na dobrinha, me encheu de arrepios. Abocanhou meu braço, meu ombro, despertou em meu corpo pontos “Gs” que eu nem sabia que existiam. Me virou do avesso. Seu toque, seu cheiro, nosso ritmo. Uma cadência que descia e subia. Quando eu pensei que fosse desmaiar de prazer, ele parou. Penetrou seu olhar no meu, e sem sair de dentro de mim, com a língua na minha garganta, começou tudo de novo.” Essa onda de prazer foi vivida pela jornalista Rafaella Morais que nunca tinha ouvido falar de sexo tântrico, mas descobriu seu impacto, na prática, com um namorado iniciado, e foi à loucura.
Essa adorável “luxúria” é um ritual yôga milenar que busca o autoconhecimento através da prática sexual, envolto em conceitos que espantam os valores ocidentais atuais. Trata-se de uma filosofia comportamental essencialmente sensorial e desrepressora, criado pelos indianos num tempo em que a sociedade era matriarcal e as mulheres podiam ter vários maridos. Nessa arte filosófica, a mulher é a divindade, uma deusa a ser adorada, um darsham (dádiva) para o homem. Um sexo com esta qualidade, explorando todas os sentidos e sensações, e durando uma média de seis horas sem cansar os parceiros, existe. Tem quem faça e tem até quem ensine a fazer.
Vanessa de Holanda é uma das que sabem e ensinam. Coordenadora do centro de yôga do Rio de Janeiro, ela tem o privilégio de praticar o Tantra, com o próprio marido, mestre De Rose, professor de cursos tântricos. “Uma relação sexual tântrica envolve muito carinho e tempo. A mulher conduz, convida, participa. Privilegia-se a posição da mulher por cima, conduzindo os movimentos, os pontos de maior sensibilidade. O olhar é uma ferramenta poderosa, o toque, as palavras. Quando o orgasmo estiver próximo, pare. Pare o movimento, pare a respiração. Espere mais um pouco. Esse é o segredo da técnica sexual que é denominada maithuna. Controlar o espasmo nervoso que é o orgasmo e assim atingir um estado de hiperestesia sensorial. A energia flui por todo o corpo e não é necessário acabar com essa sensação de prazer, continue deste ponto e assim, retendo o orgasmo por horas, você pode sair dali e continuar a relação num outro momento”.
Edmar Lisboa, artista plástico, 30 anos, pratica yôga tântrica há quatro anos, mas costuma dizer que já era tântrico e não sabia e teve a felicidade de encontrar uma linha yôga – são 118 -, que se encaixou perfeitamente com sua filosofia de vida. Sensível, Edmar, que é casado desde os 21 com a mesma mulher, conta o que mudou na sua vida, e em seu casamento, depois que descobriu o deleite dessa vivência.
Eu via a média do que as pessoas faziam em termos de sexo e eu sempre procurava novos elementos, mas não encontrava ressonância. A minha relação melhorou anos-luz. Sou casado há nove anos com a mesma pessoa e cada dia é mais uma descoberta. Você começa a ter um nível de sensibilidade erógena e visual que vai te surpreendendo. O tempo da relação não é importante, mas a gente costuma brincar que com menos de três horas é ejaculacão precoce. A penetração em si é mais um dado, o cheiro pode ser uma coisa que pode desencadear milhões de sensações. Imagina um cheiro que remeta a um beijo? Meu orgasmo mudou. Antes, até por uma formação judaico-cristã, era tipo: “você tem que ir lá, fazer, gozar e pronto, não precisa dar prazer para a mulher”, e eu já via isso com uma certa desconfiança. Hoje em dia eu procuro aproveitar o orgasmo ao máximo, protelar. No sexo tântrico, você não está colocando isso para fora, mas para dentro. “
E o orgasmo? Quando vem?
Na cabeça de qualquer homem e mulher martela a pergunta: sexo tântrico é transar sem gozar? Nananinanão! Homem e mulher se juntam na cama para uma viagem que pode durar horas, e até dias, no melhor estilo pára um pouquinho, segura um pouquinho, para poder chegar mais longe no final. Aí, quando for a hora e a vontade de cada um, essa energia acumulada será descarregada de uma vez só, num orgasmo que o mestre De Rose chama de explosão nuclear. Então essa é a diferença básica. A ejaculação não é o símbolo máximo do gozo. Os iniciados aprendem a dominá-la para gozar depois, transformando um “orgasminho” num hiperorgasmo. Tanto pela intensidade depois de uma longa espera, quanto pelas muitas sensações de gozo vividas durante o ato. Quem pratica o tantrismo jura que esse compasso de espera não causa nenhuma frustração, pelo contrário, te dá mais energia para tudo. “Você pode guardar essa energia e canalizá-la para o trabalho ou à prática da meditação”, esclarece Edmar. “O corpo fica como uma caldeira, cheia de energia biológica e vai distribuí-la para aquilo que ele precisar”, explica o mestre De Rose.
Entrando no clima
Todos os sentidos devem ser excitados. Cores fortes que estimulem os chacras, muita luz de velas, óleos aromáticos, música suave e refeições leves antes do ritual. E é aí que a coisa pega. Nada de vinhozinho, nada de jantarzinho com carne e nada de cigarro com gosto de satisfação depois. Para praticar o sexo tântrico em sua plenitude é necessário abdicar de alguns prazeres da cultura ocidental. O praticante não pode comer carne, beber, fumar ou se drogar. O sexo é apenas uma parte da yôga tântrica, tão natural como comer, ouvir, cheirar e olhar. É uma filosofia e não uma incitação à orgia. Através dele pretende-se divinizar o sexo é não banalizá-lo, por isso as restrições, meditações e a seriedade sobre o assunto. Parece que o esforço e a dedicação ao tema valem a pena, já que cresce o número de casais que estão optando por essa prática para melhorar a qualidade da relação.