Vai parecer que entrei por uma porta e sai por outra, uma coluna sem pé e sem cabeça. Ela toda gira em torno da relação das bebidas alcoólicas com pressão alta. Uma relação que pode ser fatal, inclusive.
Mas só que por uma parte tentamos responder à uma pergunta da leitora Izabel Cristina: quem tem pressão alta pode beber vinho? Por outra parte comentamos projeto de uma deputada da Assembléia Legislativa querendo fechar bares e restaurantes às 23 horas – em todo o Estado! No primeiro caso, você pode até beber para aumentar sua pressão. No segundo, fica hipertenso apenas em ler a notícia.
Vejamos:
Izabel Cristina quer saber se podemos degustar nosso querido vinho, mesmo sabendo que temos pressão alta.
Pode. Há várias pesquisas onde se sugere que o vinho, consumido moderadamente, está associado a uma queda da pressão do sangue. O vinho, conforme esses estudos, pode estar associado a um risco menor de hipertensão como também ao de doenças coronarianas e a enfartos. A pesquisa a que me refiro foi conduzida pelo Dr. Alan Nevill e seus colegas da Universidade John Moore, de Liverpool, Inglaterra.
Agora em maio, noticiou-se, durante o 18º Encontro Científico Anual da Sociedade Americana de Hipertensão, que uma taça de vinho, ou um copo de cerveja ou uma dose de destilado por dia melhora a elasticidade arterial, mesmo em pacientes com hipertensão.
A elasticidade das artérias é um termômetro do risco cardiovascular. Ela melhora quando as condições de hipertensão são tratadas adequadamente. Ela é afetada pela idade, por infartos do miocárdio e por arteriosclerose. Esse estudo foi conduzido e apresentado pelo Dr. Reuven Zimlichman, do Centro Médico Wolfson e da Universidade de Telavive.
O Dr. Zimlichman e seus colegas acompanharam os hábitos de 308 europeus saudáveis, entre 15 e 80 anos com uma massa corpórea em torno de 30 kg por m2. O consumo de álcool foi classificado como modesto: não mais do que uma taça de vinho ou um copo de cerveja e uma dose de destilado (menos do que 30 ml) por dia. O estudo excluiu fumantes inveterados, bebedores inveterados (com um pé nos AA) e pessoas doentes. Foram admitidas pessoas com alguma obesidade, como também fumantes de uns poucos cigarros diários. Mas o Dr. Zimlichman observa que mesmo esses poucos cigarros endurecem as artérias.
Todos os bebedores do grupo, particularmente os de vinhos, demonstraram elasticidade crescente tanto nas pequenas como nas grandes artérias, bem como baixos índices de complicações coronarianas, se comparados com o grupo dos abstêmios. Os bebedores de vinho apresentaram também um desempenho cardíaco mais elevado.
Isso quer dizer que quem tem pressão alta pode beber vinho? Só se moderadamente. Ou seja: uma taça por dia – é o que lemos e aprendemos em todas as pesquisas.
Não pode. Agora, uma coisa é certa: quem toma remédios para a pressão não pode beber vinho. Se a pessoa toma uma droga contendo felodipine (normal em remédios para baixar a pressão) com uma taça de vinho, pode até morrer. A felodipine ajuda a aliviar a pressão sangüínea abrindo, expandindo as artérias. Com o vinho, a ação da droga pode se multiplicar, resultando até num ataque cardíaco.
Muitas pessoas com problemas de pressão perguntam também sobre quanto de sal contém o vinho. O vinho tem pouquíssimo sódio, normalmente entre 5 e 10 miligramas por taça. A Academia Nacional de Ciências (dos Estados Unidos) recomenda que o consumo diário de sal para pessoas sadias seja de no máximo 2.400 mg. Ou seja, o sódio no vinho está bem abaixo do recomendado.
O caso é que o vinho interfere com medicamentos indicados, por exemplo, para tratar depressão. São drogas conhecidas como inibidores MAO (inibidores monoamine oxidase). O vinho tinto tem uma substância, a Tyramina, que interfere nessas drogas e pode levar a uma situação gravíssima de pressão alta. De resto, a Associação Americana do Coração diz que se bebermos mais do que o equivalente a uma taça de destilado por dia (oito colheres das de sopa ou duas boas doses de uísque) nossa pressão sangüínea aumentará.
Fale com o médico. Mas essa respeitada entidade não descobriu qualquer evidência de que o vinho, bebido moderadamente, possa fazer subir a pressão. Por moderadamente, a AAC define não mais do que duas taças de vinho por dia. Mas, Izabel, o melhor mesmo é você consultar seu médico. Gosto e escrevo sobre bebidas, em particular o vinho. Leio a respeito das pesquisas e as divulgo. Mas leitora é leitora, jornalista é apenas jornalista. E médico é médico. Se você tem problemas de pressão, por favor, dê um alô pro doutor. Acho que ele vai liberá-la para degustar seu vinho. Mas moderadamente.
Toque de recolher. Há um projeto de lei na Assembléia Legislativa do Rio propondo o horário de 6 às 23 h para o funcionamento de bares e similares em todo Estado. Argumenta a representante do povo que seu projeto vai reduzir os índices de violência.
Sim, boêmios e biriteiros vão para casa mais cedo e já a partir da meia-noite a cidade dormirá em paz. Eles aumentam as chances de violência. Por exemplo, podem sair de um bar de cara cheia e passar pelo monumento aos pracinhas e serem assaltados por… soldados das forças armadas.
A bebida pode reduzir seus reflexos e nossos boêmios não vão parar diante de uma falsa blitz na Linha Vermelha e serão atingidos por uma bala disparada por… soldados do tráfico.
Nossos boêmios, evidentemente, são uma das causas da violência. Vemos que não obedecem as leis – de quaisquer tipos de soldados, de quaisquer das “autoridades” que regem nosso Estado. Mas fechando às 23h tudo se resolve.
De 1920 a 1930 os Estados Unidos viveram sob a Lei Seca. O estrago social e econômico se faz sentir até hoje. Uma lei que fez prosperar a máfia, sevou os Al Capones, corrompeu toda a sociedade. E a violência chegou a limites invencíveis. E nunca se bebeu tanto e tanta porcaria a qualquer hora e em lugares não fiscalizados (até porque a Lei Seca alavancou a prática do propinoduto).
No Reino Unido, os bares fecham às 23 horas. Contudo, seus cidadãos são os que mais bebem em toda a Europa: 89% entornam bebidas alcoólicas diariamente, nos pubs ou em casa ou em qualquer outro lugar. Não adianta impor barreiras. Historicamente, nunca adiantou.
Os franceses ficam em segundo lugar na Europa: 88% da população consome regularmente bebidas alcoólicas. Mas lá não há limite de horários.
Então como ficamos? Um vizinho não pode beber depois das 11 da noite e é o grande bebum europeu. O outro, bem ao lado, fica no boteco o quanto quiser e consegue apenas o segundo lugar.
O grande movimento de bares e restaurantes está nas grandes cidades. Em Paris, a prefeitura estabelece cotas de bares e restaurantes por bairros. Onde cabe ou não abrir mais um e que tipo de licença terá (poderá vender ou não bebidas alcoólicas). E essas cotas estão esgotadas desde 1915.
Em ambos países há, claro, violência relacionada com o consumo excessivo de álcool. Apenas na Inglaterra e no País da Gales, 50% dos crimes violentos, 65% das tentativas de suicídio e um total de 33 mil mortes por ano estão ligados às bebidas. O que fazem eles? Usam a polícia, serviços médicos e sociais para prevenir a violência e o alcoolismo, mas tentam não interferir nos direitos de ir, vir e ficar das pessoas.
Aqui, o tráfico já decretou nossos limites: podemos ir. Voltar é que são elas. Vivemos em pleno toque de recolher, há anos. Na Serra, os turistas agora chegam sábado pela manhã e voltam domingo na hora do almoço. Têm medo de viajar à noite. As pousadas, bares e restaurantes, enfim todo o comércio e indústria que giram em torno do turismo, perdem a noite de sexta, a manhã de sábado, e pelo menos o almoço de domingo. Todos voltam mais cedo com medo da violência. Que está lá fora – e não nessas mesmas pousadas, bares e restaurantes, que sempre significaram paz, sossego, empregos e mais impostos para o governo.
É isso que a deputada quer: um toque de recolher em todo o Estado, para prejuízo de todo o mundo. É mais um projeto que não deve pegar. Quero ver a Assembléia limitar os desfiles no Sambódromo até às 11 da noite, quero ver antecipar o Revéillon e os fogos na praia.
Pois só em pensar que alguém tenha pensado nesse toque de recolher, em definitivamente nos colocar em campos de concentração (não bastando os seguranças das ruas, as casas gradeadas etc., etc.). Só em pensar nisso minha pressão ficou e está alta até agora. E não estou em nenhum bar e não bebi nada. Portanto, vamos parar de culpar o totó. Deixem bares e boêmios em paz: um binômio que dá, felizmente, paz, samba e muita poesia.
Se a leitora quer saber mais sobre bebidas e pressões baixas ou altas, clique aqui para o Bolsa ou para a Soninha no www.adegaebar.com.br. Se achar que esse toque de recolher é o fim do mundo, por favor, chame o barman (e vote melhor na próxima vez).