Existem pessoas que vivem com a auto-estima vestida com o melhor jogging disponível no mercado esportivo. Levam cada situação com tamanha categoria, que qualquer sapo, cobra ou lagarto arremessados contra elas são, sem pestanejar, matados no peito, para serem imediatamente dominados na ponta da língua. E ao fim dessa demonstração de convivência-arte, só resta mesmo mandar os tais desaforos, com aquele toque de classe próprio dos craques, para escanteio.
Conduzir certas situações com diplomacia e ainda manter um matreiro sorriso no rosto – quando o esperado e até merecido era um bom sopapo na lata do engraçadinho – não é uma das modalidades mais simples da tal convivência. “Eu não tenho nenhum espírito esportivo, porque não consigo levar desaforo pra casa ou deixar alguma alfinetada passar em branco. Sou nervoso e as pessoas sabem disso, e quando fazem algo assim, estão querendo uma resposta à altura do que fizeram”, acredita o webdesigner Carlos Alberto Marinho. Já alguns atribuem o espírito praticamente olímpico com que enfrentam certas pendengas do cotidiano, ao fato de estarem num bom dia. “Eu tenho os meus dias zen, que eu consigo flutuar sobre as mesquinharias alheias. Agora, tem uns em que fico doida pra encontrar alguém que me dê um pretexto pra estourar”, revela a dentista Alessandra Ramalho.
Algumas vezes, não dar ouvidos ao que se fala pode ser mais do que uma estratégia de convívio social: uma importante técnica de defesa pessoal. A assessora de imprensa Catarina Marques sabe perfeitamente que dar margem às intrigas da oposição, às vezes, é tão cansativo quanto dolorido. “Eu tenho uma namorada e no meu trabalho as pessoas não aceitam muito bem isso”, diz ela, comentando que qualquer coisa que remeta ao assunto é motivo de piadinhas por parte dos colegas. “Sempre que tocava a música-tema das meninas lésbicas da novela “Mulheres Apaixonadas” já diziam logo: “olha a música que você gosta”. Eu procuro rir e me fazer de desentendida”, conta Catarina, confessando também que, na verdade, o seu sorriso quer dizer: “Sou sapata sim, porque só tem homem babaca como vocês!”, brinca ela.
O psicólogo Jadir Lessa afirma que levar as situações delicadas na esportiva tem o seu lado positivo e o seu lado negativo, que estão relacionados com o potencial de cada um. “Quando você tem uma boa estrutura de personalidade, é fácil passar por cima das coisas pequenas sem se abalar com as provocações. Já quem não tem, e acaba deixando pra lá para tentar sair por cima, sofre muito com aquilo. Essas pessoas dão importância ao que os outros falam e, quando não respondem, sofrem duas vezes”, revela Jair, acrescentando que elas, então, acabam se tornando fortes candidatas à depressão. “Elas sofrem sozinhas, porque não querem expressar em público que estão magoadas ou ofendidas. Portanto, acabam acumulando sentimentos que as levam à depressão”, diz o psicólogo.
A veterinária Ana Paula Magalhães diz que a sua mãe é dessas que fica na hora da peleja com aquela cara de “ah é, é?”, comum de quem ouviu o que não quis e nem falou o que quis. “Ela nunca responde na hora e fica muito revoltada com o desaforo ou com a futucada que levou. Sempre fica dias se remoendo de raiva daquilo. Até que uma vez, eu mesma a incentivei a telefonar de volta para minha tia e botar pra fora todos os sapos que estavam engasgados em sua garganta”, conta Ana. E o tal incentivo se refletiu até na forma da mãe de Ana agir posteriormente. “Ela meio que se liberou daquela coisa de boazinha, que nunca responde. Tento mostrar que às vezes não vale a pena se aborrecer batendo boca, mas engolir sapos desnecessários faz mal pra saúde”, brinca ela.
Mas tentar se equilibrar em cima da carne seca não é um esporte fácil. Exige do atlético praticante da convivência social um sangue o tanto quanto frio, inteligência emocional e, é claro, o indispensável espírito esportivo.