Se você tem um círculo de amigos com mais de 100 pessoas, acredite, deve haver pelo menos um psicopata entre vocês. As estatísticas mais recentes a respeito da psicopatia afirmam que entre 1% e 2% da população mundial é psicopata, em menor ou maior grau.
Contudo, isso não é motivo de alerta. Apesar de o número de psicopatas entre nós ser relativamente alto, seu comportamento anormal é, geralmente, motivo de atenção de todos ao redor. “É nítida uma conduta totalmente divergente do normal”, explica o professor de psiquiatria forense Talvane de Moraes da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Há uma distinção entre o psicopata, que é portador de uma doença psíquica, e um indivíduo que apresenta traços de psicopatia, ou seja, alguém normal com fragilidades morais e éticas específicas. “O termo psicopata traduz o diagnóstico mais difícil de se fazer. Não é um doença mental e não serve para quem tem traços, apenas. É um desvio de personalidade anormal, é patológico”, afirma o médico.
Como alguém se torna psicopata?
Não há nada que comprove definitivamente a causa da psicopatia. Mas já se pode dizer que há componentes que levam os médicos e psicólogos a acreditarem que genética é um dos fatores envolvidos, assim como os fatos vividos ao longo da infância e da adolescência. “É uma estruturação de personalidade, depois de adulto não ocorre mais”, afirma o médico.
“A sede de tudo é o cérebro, onde está o fundamento da estrutura. Se pegar um psicopata, um típico, e examinar o cérebro você não encontra lesão. O problema é na química, na fisiologia cerebral”, esclarece.
No entanto, lesões e traumatismos cerebrais podem alterar personalidades a ponto de apresentar quadro parecido. Encefalite, acidentes com traumas cerebrais e a própria degeneração do cérebro podem levar a comportamentos similares.
Psicopatia é desculpa para mentir?
O quadro não é desculpa alguma para mentir. “O psicopata sabe que está mentindo, ele pode inclusive apresentar um quadro de habitualidade da mentira”, afirma o psiquiatra.
O termo médico para este quadro é mitomania, no qual o sujeito vive no seu mundo de mentiras. No caso do psicopata, ele vive isso sabendo que está mentindo, é diferente de outras patologias, como a psicose e a esquizofrenia, nas quais os pacientes vivem de fato a ilusão de suas mentiras.
Diagnóstico de psicopatia
O termo clínico hoje para a psicopatia é transtorno de personalidade. É até uma forma de tirar o peso sobre o termo, que é comumente ligado à impossibilidade de convivência em sociedade – o que de fato ocorre, mas em casos mais extremos.
Dr. Talvane explica que enquadrar a psicopatia em um diagnóstico é das tarefas mais difíceis para um psiquiatra. “As pessoas têm diferenças e semelhanças entre si, entre vivências e entre temperamentos. Para fechar um diagnóstico precisa ouvir toda a história de vida, a situação social e o desempenho do paciente”, recomenda.
O principal procedimento é balizar o comportamento social do sujeito dentro dos parâmetros considerados normais. Nesta compreensão, o padrão para o psicopata é apresentar ações e emoções fora da margem dos conceitos éticos e morais estabelecidos e seguir a apenas uma motivação, a de satisfazer seus desejos e impulsos pessoais.
Em alguma medida, todos nós apresentamos alguma característica que bata com a busca por satisfazer os próprios desejos. Por isso, a importância de observar toda a trajetória do indivíduo antes de cravar o diagnóstico. “Começa já na infância ou adolescência, a família aponta um comportamento impulsivo, antiético, desde cedo. É um padrão definido”, entende o psiquiatra forense.
Confusão com outros quadros
Traços de psicopatia
Quando alguém age de forma antiética ou egoísta não significa que seja um psicopata. É comum eventualmente mentir ou buscar a própria satisfação. Algumas pessoas, contudo, são recorrentes em comportamentos fora do padrão moral.
“Você encontra na vida social pessoas com traços psicopáticos. São tendências egoísticas, manifestações pessoais que conflitam com o todo do grupo social. Geralmente, nestes casos, o desempenho é mais contido”, explica o psiquiatra.
Sociopatia
No senso comum, o termo sociopata é relacionado a comportamentos psicóticos mais brandos, similares àqueles de quem apenas apresenta traços de psicopatia. As ações sociopatas seriam estimuladas por desvios da sociedade, ou seja, como influências culturais e sociais impactaram o sujeito na formação de seu quadro.
“Eu sou contra o uso do termo, dá a ideia de que a sociedade está doente e não o indivíduo. É uma forma de contornar a dificuldade de admitir que há personalidades que foram construídas de forma doentia”, contrapõe Dr. Talvane.
Crimes cometidos por psicopatas
A característica principal de quem apresenta o quadro de psicopatia é a falta do sentimento de solidariedade, de compaixão, de empatia. Quando age contra outro, entende o sofrimento dos demais, mas falta a ele a capacidade de se sentir envolvido. “É estranho para ele, que entende o fato, mas não sente nada. Falta a experiência do outro”, resume Dr. Talvane.
O comportamento criminoso relacionado aos psicopatas geralmente envolve crimes graves, como estupros, torturas e homicídios. Também são comuns os registros de psicopatas relacionados a crimes de estelionato.
“São pessoas que sentem prazer ao fazer o outro sofrer. Na época da ditadura militar, por exemplo, os torturadores eram escolhidos pelas suas características psicopáticas”, afirma.
Serial killer
No livro Serial Killer – Louco ou Cruel?, a autora Ilana Casoy aponta algumas características padrões de quadro de transtorno de personalidade dos assassinos em série. Casoy afirma que são quatro perfis: visionário (traços de esquizofrenia, vozes mandam matar), missionário (não aceita o mundo e ataca grupos específicos), emotivos (os mais sádicos, matam pelo prazer de gerar sofrimento) e libertinos (a violência dá prazer a eles, são os casos de estupradores e canibais).
“Para o serial killer, a fantasia provê sua necessidade de controle da situação. Em homicídios seriais, o assassinato aumenta a sensação de controle do criminoso sobre sua vítima”, afirma no livro, que aponta também a necessidade do criminoso em ter uma assinatura para seus atos.
Para Talvane de Moraes, há um fator determinante para a incidência de assassinatos em série: a ordem cultural. “É bem mais frequente nos EUA. É um contaminante cultural, quanto mais ocorre e mais divulgado é, mais irá ocorrer novamente, assim como acontece com o suicídio”, argumenta.
Criminosos são sempre psicopatas?
É importante esclarecer que, entre a massa criminosa, a grande maioria não é psicopata. O indivíduo que comete crimes age motivado por questões sociais, econômicas ou éticas. “É comum o termo virar até xingamento, mas é prejudicial a todos que isso aconteça”, aconselha o médico.
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