Uma área de proteção ambiental da floresta amazônica – do tamanho do estado do Espírito Santo – pode passar a não existir mais. A Reserva Nacional de Cobre e Associadas (Renca), uma área de 47 mil quilômetros quadrados entre o Pará e o Amapá foi extinguida segundo decreto presidencial, mas dados o impacto da decisão e sua repercussão negativa, ela foi congelada por 120 dias para discussão.
Se aprovada, a medida passa a permitir também a exploração do solo da região localizada na Amazônia – área rica em ouro, ferro e manganês.
A reserva do Renca foi estabelecida em 1984 e engloba nove territórios de proteção: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este.
Qual é o impacto do fim da reserva ambiental?
Quando divulgada, a decisão do governo federal foi seguida de imediata e unânime resposta negativa de entidades de proteção ambiental. A World Wide Fund for Nature (conhecida como WWF), divulgou comunicado oficial apontando os riscos da exploração mineral em território que hoje é protegido por lei.
“Além da exploração demográfica, desmatamento, perda da biodiversidade e comprometimento dos recursos hídricos, haverá acirramento dos conflitos fundiários e ameaça a povos indígenas e populações tradicionais”, disse o diretor executivo do WWF-Brasil, Maurício Voivodic.
Um mês antes da assinatura do decreto, a ONG havia produzido um relatório sobre as condições geológicas da reserva e desaconselhava o fim da área do Renca.

Biodiversidade em cheque
A reserva da Renca se localiza na porção amazônica conhecida como Platô das Guianas, que compreende o maior bloco de áreas protegidas do mundo e possivelmente a região de superfície terrestre onde há maior biodiversidade do planeta.
O fim da proteção legal pode acabar com uma quantidade inimaginável de espécies animais e vegetais.
“Não conhecemos ainda o mínimo sobre as espécies dessa área. Qualquer medição sobre o impacto ambiental é especulativo, mas o perigo é afetar um ecossistema tão desconhecido”, explica a analista ambiental do ICMBio.
Contaminação de rios e solos
O que se sabe é que a mineração age diretamente nos rios e nos solos. A análise do ICMBio é de que ainda que haja procedimentos para o licenciamento das atividades extrativistas, a contaminação do solo e dos rios é uma certeza.
O precedente aberto na exploração mineral do Renca é visto pelos ambientalistas como uma brecha jurídica para que outras áreas de proteção sejam revisadas e sejam exploradas por indústrias pesadas como a da mineração.

Menos índios, mais grilagem e inchaço populacional
As comunidades indígenas e ribeirinhas serão as primeiras impactadas. A reserva do Renca fica em uma área cujas populações dependem fortemente dos recursos naturais da floresta para sobreviverem – são áreas de contato recente entre indígenas e civilização urbana, tendo os primeiros registros na década de 1970.
“A curto prazo, haverá uma corrida populacional que vai mudar toda estrutura ambiental, econômica, social e cultural da região. Os primeiros sintomas serão grilagem de terra e inchaço populacional”, analisa Cassandra Oliveira, analista ambiental do Instituto Chico Mendes (ICMBio). “Isso acontece sistematicamente na Amazônia. Já se pode antever os resultados, mas o Estado continua cometendo os mesmos erros”, conclui.
A previsão é que isso ocorra assim que as primeiras empresas de mineração se estabeleçam por lá. As oportunidades de empregos e ilusões de riqueza pela mineração historicamente promovem grande fluxo populacional, mesmo em condições ambientais e urbanísticas desfavoráveis. E isso influencia diretamente os povos originários.
“É alto o risco de etnocídio”, analisa Cassandra. A percepção das entidades de proteção ambiental e de defesa dos povos nativos é de que a cultura é rapidamente aniquilada, sem perspectiva de que haja integração gradual entre as populações. “Talvez a maior preocupação seja acabar com a diversidade de culturas da Amazônia”, lamenta.

Decisão é polêmica
Para a ambientalista do ICMBio, o decreto é um ato que não levou em conta o diálogo com lados fundamentais da questão. “É um ato unilateral, não permite a consulta às populações da região.”
“O que nos surpreende é a falta de diálogo e de transparência do governo que, por meio de um decreto, abre para mineração uma área que coloca em risco os povos indígenas e unidades de conservação de relevante potencial ecológico bem no coração da Amazônia”, entende o coordenador de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel de Souza Santos.
De acordo com a Constituição brasileira, somente o Serviço Geológico Brasileiro pode realizar ou autorizar qualquer estudo ou exploração do solo de unidades de conservação ambiental. Agora, o Estado brasileiro repassa o direito a empresas privadas. A medida é a primeira do “Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira”, anunciado no primeiro semestre de 2017.
Justificativa do governo
A liberação da exploração dos recursos minerais da Amazônia por grandes indústrias é mais uma medida tomada pelo governo federal para reverter os maus resultados econômicos enfrentados este ano – a previsão do Ministério da Fazenda é de déficit primário de R$ 159 bilhões em 2017.
O Ministério do Meio Ambiente afirma “o objetivo é atrair novos investimentos, com geração de riqueza para o país e de emprego e renda para a sociedade, pautando-se sempre nos preceitos da sustentabilidade. Acredita-se ainda que a medida poderá auxiliar no combate aos garimpos ilegais instalados na região”.
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