*Publicado em 9 de agosto de 2016
A nadadora Joanna Maranhão sofreu uma série de ataques em sua página no Facebook depois de ter ficado de fora da semifinal dos 200 metros medley nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Após isso, a atleta afirmou que vai processar os donos dos perfis que foram à página dela para xingá-la e ofende-la. A ação na justiça ainda terá um propósito solidário: Joanna pretende destinar o dinheiro dos processos à ONG que criou para combater a pedofilia.
A história de vida de Joanna e sua superação como atleta têm, infelizmente, total relação com esse tema. Em entrevista aberta ao Bolsa de Mulher, Joanna falou sobre os busos sexuais que sofreu, acontecidos quando ela ainda era criança e que foram cometidos por seu treinador na época. Esta foi, aliás, uma das feridas que os haters – pessoas que comentam nas redes sociais para atacar outras pessoas – mais tocaram fundo para ofender a nadadora. Comentários com um tom preconceituoso e misógino reforçaram a ideia de que ela estaria mentindo sobre as acusações de estupro que sofreu na vida.
https://www.instagram.com/p/BI5j_ALgNZ5
O posicionamento político da atleta, que já foi alvo de outras polêmicas ao longo de sua carreira, também foi motivo de críticas. A expressão “Tchau, querida”, usada no contexto do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, também foi direcionada à esportista em comentários no Facebook, por conta dos maus resultados.
Após o término da prova na qual não se classificou, Joanna falou ao canal SporTV. Ela afirmou que processará os responsáveis pelos ataques e cobrou respeito e limites daqueles que atingem a atleta por meio da internet.
“As pessoas se sentem seguras por estarem atrás de um computador e eu aguentei por muito tempo. Eu falo muitas coisas que outros atletas não falam, eu aguento porrada, mas, tem um certo limite”.
Ataque à nadadora Joanna Maranhão
Em sua publicação, Joanna informou que coletou os dados dos haters para processá-los pelas ofensas.
https://www.facebook.com/235637209814212/posts/1246059345438655
“A todos os perfis verdadeiros que vieram até aqui denegrir, ofender e xingar: muito obrigada!
Fiquei em silêncio permitindo que vocês se sentissem a vontade enquanto o advogado coletava nome, dados e CPF de cada um.
A partir da próxima semana estaremos entrando com ação na justiça, com todas as provas (inclusive cobertura da imprensa), trata-se de uma causa ganha e com esse dinheiro estaremos potencializando as ações da ONG Infância Livre.
Sendo assim: muito obrigada! O ódio de vocês será revertido para uma boa causa; combate à pedofilia”.
Além de ironizarem o fato de Joanna não ter se classificado para a prova de natação, os usuários fizeram referências ao episódio do abuso e de outras questões da vida de Joanna, que sempre se posicionou abertamente sobre sua posição política e no combate ao preconceito por ser mulher e nordestina. Após a prova de 200m borboleta feminino, a atleta desabafou em entrevista à ESPN sobre os ataques em sua rede social. “Não desejem que uma mulher seja estuprada. Não desejem a morte da minha mãe, ela não tem nada a ver com meu posicionamento político”.
Desabafo de Joanna Maranhão depois da prova

O depoimento de Joanna é duro e emocionante. Leia alguns trechos transcritos:
“Me deparei com uma enxurrada de agressões”
“Fui dar uma olhada no Facebook e me deparei com uma enxurrada de agressões. Pessoas comemorando porque eu não peguei a semifinal por cinco centésimos, algumas diziam que eu merecia ser estuprada, outras dizendo que a história da minha infância era uma grande mentira”.
“País racista, machista e homofóbico”
“O Brasil é um país muito racista, muito machista, muito homofóbico, vem de uma cultura futebolística que as pessoas acham que quando chega em um esporte olímpico elas têm o direito de nos tratar como tratam um jogador de futebol quando não ganham. Acho que nem os jogadores de futebol merecem esse tratamento que eles têm, muito menos a gente.
Eu sempre me posicionei politicamente, porque sinto que todo ser humano tem um papel a fazer. Eu acredito no meu país e acredito em um caminho menos corrupto de ser, mas eu quero um país para todo mundo. Não quero que a Tais Araújo fique sendo chamada de ‘macaca’, que a Rafaela Silva seja chamada de ‘decepção’ e só quatro anos depois as pessoas se deem conta do valor dela”.
https://www.instagram.com/p/BHpnK4wg5qX
“Eu queria que existisse um mecanismo para entenderem o que eu passei aos 9 anos”
“Eu não subi no bloco para perder, e não é muito difícil as pessoas entenderam isso. As pessoas se frustrarem porque alguns resultados não são bons é compreensível. Mas, passar para a linha do desrespeito é complicado. Não quero me fazer de vítima, mas eu lutei muito para ser a melhor atleta do Brasil não sucumbir à depressão e à minha história.
Eu batalhei muito para estar aqui, e de repente as pessoas me questionando, questionando minha história, isso é muito duro. Eu queria que existisse um mecanismo para que as pessoas encostarem em mim e vissem o que eu passei aos 9 anos. Para fazer entender o quanto a pedofilia é uma coisa séria”.
Abuso sexual da nadadora Joanna Maranhão
https://www.instagram.com/p/6oHpFsHshd/
A exposição do caso de Joanna Maranhão é a ponta do iceberg de um problema muito mais sério no combate ao abuso sexual no Brasil. Muitas vítimas têm dificuldade para denunciar o agressor e, quando denunciam, ainda encontram pessoas que não acreditam na história e, por vezes, acabam colocando a culpa na vítima.
É importante ressaltar que a violência e o abuso de mulheres fazem parte de uma cultura machista, a mesma que reforça argumentos de que “uma mulher deve ser estuprada” e de que a versão da vítima de um abuso deve ser coloca em xeque.
A nadadora nunca processou o abusador, pois quando levou o caso a público, o crime já havia prescrito. Entretanto, o treinador acusado por Joanna decidiu processar a nadadora e a mãe dela por difamação e calúnia, o que deu início a um grande debate sobre o caso.
https://www.instagram.com/p/BGG9zWtnsj1/
ONG Infância Livre
Através da ONG Infância Livre, a nadadora oferece tratamento emergencial a crianças que passaram pelo que Joanna passou e seus pais, dando apoio jurídico, médico e psicológico. Além disso, há aulas de educação sexual.
Abuso na infância: É possível denunciar na fase adulta?