Michel Temer destacou em um de seus primeiros pronunciamentos em rede nacional de rádio e TV como presidente da república a “necessidade das reformas trabalhista e da Previdência”. A proposta para a Previdência já foi divulgada, com a idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres. As medidas causaram discussões entre centrais sindicais e entidades civis, já que as mudanças devem impactar na vida de trabalhadores e aposentados brasileiros.
Advogados especialistas de cada uma das áreas explicaram o que, afinal, significam estas reformas citadas em discurso. Eles explicam quais são os direitos que estão em jogo, quem será atingido pelas novidades e o que podemos esperar do novo governo.
Pronunciamento de Temer
Reformas da Previdência e trabalhista
“Para garantir o pagamento das aposentadorias, teremos que reformar a previdência social. Sem reforma, em poucos anos o governo não terá como pagar aos aposentados. Nosso objetivo é garantir um sistema de aposentadorias pagas em dia, sem calotes e sem truques. Um sistema que proteja os idosos, sem punir os mais jovens (…)”.
“Para garantir os atuais e gerar novos empregos, temos que modernizar a legislação trabalhista. A livre negociação é um avanço nessas relações. O Estado brasileiro precisa ser ágil. Precisa apoiar o trabalhador, o empreendedor e o produtor rural. Temos de adotar medidas que melhorem a qualidade dos serviços públicos e agilizem sua estrutura”.
Temer (antes mesmo de assumir a presidência) e sua equipe de governo apontaram algumas possíveis mudanças, consideradas impopulares por especialistas nas áreas.
Reforma Previdenciária
A reforma previdenciária tem dois motivos fundamentais. O primeiro é o chamado “ajuste fiscal”, que nada mais é do que equilibrar aquilo que o Governo Federal gasta com os beneficiários com o que ele arrecada. O segundo é reduzir o rombo de R$ 146 bilhões na Previdência.
Para isso, o governo determinará a idade mínima de 65 anos para aposentadoria de homens e mulheres, conforme Eliseu Padilha revelou.
A regra valerá para todas as pessoas com menos de 50 anos. Acima desta idade, o trabalhador seguirá a regra atual com uma espécie de ‘pedágio’ referente ao período que falta para se aposentar. O tempo de contribuição, nesta nova fórmula, só servirá para calcular o valor do benefício.
“O déficit da Previdência, em 2015, foi de 86 bilhões; em 2016, R$ 146 bilhões, e em 2017, entre R$ 180 a R$ 200 bilhões. Isto não pode continuar, sob pena de não conseguir mais pagar a aposentadoria. Então, tem que mudar para preservar, senão não haverá garantia do recebimento da aposentadoria”, explicou o ministro da Casa Civil Eliseu Padilha em vídeo publicado na página do Ministério no Facebook, no dia 12 de agosto de 2016.
“Mas, ninguém perderá nenhum direito adquirido. Não precisa correr para o posto do INSS, todo mundo que tem o direito será preservado, não perderá absolutamente nada”, finalizou Eliseu, que aparece à direita na foto acima.
Além desta proposta da idade mínima, a revisão de benefícios de auxílio-doença e aposentados por invalidez, também faz parte do pacotão da reforma previdenciária.
Entre as possíveis estratégias impopulares ainda está desvincular os benefícios ao reajuste do salário mínimo, o que pode representar perdas significativas aos cidadãos aposentados, que receberiam o dinheiro por um novo piso do INSS.
O que diz o advogado previdenciário
De acordo com o Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) e advogado previdenciário Theodoro Vicente Agostinho, os mecanismos sugeridos pelo governo Temer indicam uma tendência de “individuação da previdência”. Mas o que isso significa?
Quer dizer que “cada cidadão seria responsável por guardar suas reservas”. Esta é, aliás, segundo o advogado, a proposta defendida pelo secretário de Previdência Social, Marcelo Caetano, que até então está à frente da reforma previdenciária de Temer.
“Ele defende essa questão da ‘poupança individual’, como acontece em outros países. Mas, como não somos um país educado financeiramente, o que vai crescer é a previdência complementar”. De acordo com sua avaliação, como o brasileiro não tem uma cultura de poupar para o futuro, ele pode acabar recorrendo à previdência privada.
As engrenagens do novo sistema só entrariam nos eixos, de acordo com Theodoro, com as gerações seguintes, que já adquiririam esse hábito de economizar recursos para a velhice.
Quem será atingido
As mudanças devem afetar os trabalhadores que estão prestes a se aposentar, que passarão por esse período de transição.
“A desvinculação do salário mínimo, por exemplo, impacta diretamente em um primeiro momento naqueles trabalhadores que ainda vão se aposentar, porque haverá uma atualização dos valores dos benefícios”, explica.
Por isso, o advogado reforça que Temer deve estabelecer critérios diferentes por idade, o que, de fato, já foi sinalizado pelo governo ao propor a idade mínima. “O modelo ideal seria um em que pessoas de 50 anos ou mais estariam dentro da regra de transição; mais jovens que isso, seriam regidas pelas novas regras”.
Vale lembrar que quem já está aposentado, neste momento, quase não sofrerá impactos. “O aposentado já tem o direito adquirido. Mudar isso seria uma afronta constitucional”, explica o especialista.
Esta mudança deve ser colocada em prática antes mesmo das eleições municipais, em outubro. “Se Temer achar que o momento é favorável, deve fazer. Isso porque os outros países também estão de olho nas reformas para retomar a economia”.
Reforma trabalhista
A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) deve sofrer mudanças com Temer e sua equipe.
A proposta do governo é flexibilizar os direitos assegurados dos trabalhadores, como décimo terceiro-salário, férias fatiadas, jornada de trabalho, participação de lucros e resultados, banco de horas, entre outros.
Isto significa que todos estes direitos previstos na CLT seriam negociáveis em acordos coletivos entre as empresas e os sindicatos. Hoje a lei trabalhista protege todos os trabalhadores de forma igualitária. Com essas mudanças, os contratos de trabalho podem ser diferentes para cada profissional em relação aos direitos citados.
Temer ainda pretende criar dois novos tipos de contrato: parcial e intermitente. A diferença entre os dois está na regularidade do trabalho. No contrato parcial, a jornada de trabalho será previamente estabelecida em dias e horários. Já no intermitente, o empregado é solicitado pelo patrão apenas quando é necessário.
Estes novos formatos poderiam reduzir os custos do patrão, por definirem formas diferentes de vínculo empregatício. Por outro lado, há um temor de que os funcionários percam força com tantas flexibilizações na área trabalhista.
Outra medida bastante impopular e criticada pelas entidades sindicais é a regulamentação da terceirização. Algumas categorias apontam a possibilidade como a precarização de serviços e desvalorização da mão de obra em alguns setores.
O que o advogado trabalhista diz
Para o advogado trabalhista Sérgio Schwartsman, a reforma trabalhista baseada na flexibilização é um sinal de avanço.
“Hoje a legislação é muito engessada; ou é CLT ou é a informalidade”, comenta. “A flexibilização é boa, mas precisa ser bem feita, garantindo direitos mínimos, como segurança e medicina do trabalho, período mínimo de férias, fixação de jornada de trabalho semanal”.
Para Schwartsman, as medidas barateiam o custo da mão de obra e aumentam os postos de trabalho.
Quem será atingido
“Politicamente, muita gente vai dizer que é precarização, como dizem que é terceirização, mas depois que a flexibilização vigorar, será possível fazer uma leitura mais concreta dos impactos”, avalia o especialista.
Ainda como interino, em julho de 2016, Temer foi a uma reunião com empresários, em que o presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria) destacou a possibilidade de uma jornada de 80 horas semanais, dando como exemplo as leis aprovadas na França.
“Se não flexibilizar a norma trabalhista, não tem como reverter o quadro de desemprego a curto prazo. A médio prazo, me parece possível se houver uma perspectiva de crescimento econômico e maior liberdade de negociação”.
Já a terceirização incita um longo debate sobre as definições de quais tipos de atividade poderiam ser feitas por funcionários contratados por terceirizadas. Outro ponto crítico é o possível enfraquecimento das categorias nas negociações com os patrões, argumento rebatido pelo advogado trabalhista.
“Trabalhador terceirizado é registrado, tem todos os direitos. Em um primeiro momento, pode ser que as categorias sejam mais fracas e consigam menos benefícios. Mas, quando o sindicato se fortalecer, ele pode conquistá-los”.
Cientista social vê retrocessos
Para o cientista social e doutorando em Ciências Políticas pela USP (Universidade de São Paulo) Rafael Moreira, tanto as propostas da reforma previdenciária quanto da trabalhista representam um “retrocesso bastante grande”.
“Estipular a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres é um absurdo gigante. É não levar em conta a jornada tripla que elas têm, nem a questão de classe, pois os pobres tendem a iniciar a vida no trabalho mais cedo. Negociar coisas que já estavam consolidadas pela CLT também não representa nenhum avanço”, comenta.
Ele explica que a flexibilização proposta por Temer nas leis trabalhistas pode enfraquecer justamente o lado mais fraco: o trabalhador.
“É uma situação clássica, quando se flexibiliza, sempre o lado mais fraco é prejudicado. Quando a negociação é feita ponto a ponto, o trabalhador, que já tem uma condição de trabalho desgastante, pode ter uma jornada de trabalho ainda maior, por exemplo”.
Para o especialista, grandes setores como a indústria e o empresariado, de maneira geral, se fortalecerão no Governo Temer. “Esses setores já tinham muitas benesses com Dilma e, agora, levando em conta todo o apoio que o empresariado deu ao impeachment, vai ser ainda mais fortalecido”.
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