Adrenalina sexual

O sexo é um ingrediente, por si só, altamente inflamável. Imagine, então, quando combinado com outros elementos igualmente explosivos, como a adrenalina. E não estamos aqui falando exatamente de transar no meio de um filme do Chuck Norris ou num episódio de “Missão Impossível”. É que, para algumas pessoas, misturar sexo e perigo é acender as válvulas hormonais em fogo alto e experimentar sensações, às vezes fugazes, mas de um prazer fulminante – mesmo que tudo não passe de pura imaginação.

Assim é com a designer Clara Tolentino, que descobriu com um ex-namorado de adolescência os prazeres do “risco saudável”, como ela diz. Na verdade, as situações não oferecem nenhum grande perigo real: é quase tudo uma grande brincadeira. “O que me excitava era a sensação de que eu ia ser pega, flagrada transando. É uma situação tipicamente adolescente, mas, ainda hoje, imaginá-la me dá prazer. Não existe essa possibilidade de ser surpreendida por alguém, porque moro sozinha e ninguém entra na minha casa sem que eu saiba. Fica tudo na fantasia mesmo. Às vezes, quando estou um pouco mais animada, arrasto meu namorado para algum banheiro feminino e aí rola aquela rapidinha, cheia de adrenalina, com o risco da porta se abrir”, confessa Clara que, afinal de contas, só foi pega mesmo uma vez com a boca na botija. “Foi naquele tempo de adolescente, minha irmã entrou no quarto. Na hora, fiquei meio constrangida. Não sei qual seria minha reação em ser realmente flagrada hoje, mas o que me excita é justamente essa imprevisibilidade”, analisa.

Outras modalidades de risco também viram cabeças por aí. Uma fantasia comum entre as mulheres, o sexo com um desconhecido, também é vista como fruto da excitação do perigo. “É um cara que você não sabe o que é, nunca viu, não sabe onde vai te levar e nem o que vai querer com você”, resume a tradutora Mônica Barroso. Como se vê, é novamente a imprevisibilidade que está em jogo. “Acho que o grande lance dessa fantasia é realmente não saber nada sobre o outro e, assim, se submeter a algum perigo, a algo que pode acontecer e a gente não sabe exatamente o quê. Nunca realizei essa fantasia porque nem sei como colocá-la em prática e também porque sei os limites disso. Posso realmente me arriscar sério e o tesão não paga isso. Mas só de imaginar a sensação de estar vulnerável, correndo risco com alguém cujas intenções eu desconheço, fico doidinha”, assume ela.

Como qualquer fantasia, se erradamente explorada, aventuras sexuais com perigo flagrante podem, assim, se tornarem muletas de sustentação para a vida sexual. Ou seja, o prazer só é alcançado por ela e com ela. No cinema, o filme “Crash – Estranhos Prazeres”, do diretor canadense David Cronenberg, propõe uma interessante discussão sobre o assunto. Na história, o produtor de filmes James Ballard se envolve em um acidente automobilístico com o carro de um casal, vitimando fatalmente o marido e deixando a mulher bastante ferida. No entanto, passados o trauma e a raiva inicial, ela acaba se tornado amante de James e os dois passam a freqüentar um grupo que tem como fetiche a reconstituição de famosos acidentes de carros. As reconstituições são propositadamente sem nenhuma segurança, aumentando sensivelmente o risco – e a excitação – para quem participa da simulação. A descoberta desse prazer acaba atingindo o casamento de James, que só consegue sentir prazer dentro do carro.

A sexóloga Marlise Cury, do Instituto Brasileiro de Sexualidade, acredita que o limite entre o saudável e o doentio, na busca da excitação, usando o perigo como elemento sexual, está exatamente nesse condicionamento. “Eu tive contato com um caso interessante de um homem, homossexual, que se submetia a situações de perigo abordando desconhecidos na rua e procurando lugares como cemitérios para fazer sexo. Acabou exposto a situações como ter uma arma apontada pra cabeça, ser filmado fazendo sexo, sofrer violências. Tudo porque foi se vendo dependente da sensação de prazer que tinha com isso. Acabou desenvolvendo um distúrbio paranóide, chegando ao ponto de sair de casa de óculos e chapéu para não ser reconhecido”, comenta Marlise. “Toda fantasia é extremamente válida. O problema está quando se perde a capacidade de avaliação das conseqüências externas ao prazer sexual. Não acredito que possa ser saudável reconhecer excitação no risco de se contrair uma doença, fazendo sexo sem proteção, por exemplo. Nenhuma fantasia é tão boa que valha um perigo de vida”, conclui ela.