Parece um dramalhão mexicano, só que não estranhe se acontecer com você. Bastou olhmar para o rosto dele para perceber que está perdidamente apaixonada. No entanto, não é por ele, que sempre esteve ao seu lado. Seu companheiro você continua amando, e o relacionamento vai bem, obrigada. Mas esse novo homem, que apareceu na sua vida quando menos esperava, é um outro tipo de amor. E agora? Mais do que um dilema do coração, amar duas pessoas ao mesmo tempo vai contra as convenções sociais. Se o comportamento poligâmico parte de uma mulher, então, sai de baixo! São poucas as que conseguem aceitar o sentimento, e menos ainda as que ousam lutar contra o estigma, entregando-se a amores simultâneos.
Tema polêmico até nas telinhas, o amor múltiplo rendeu livro. A psicoterapeuta Noely Montes Moraes lançou este ano, com o título É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo? (ed. Musa), uma obra que passa por questões culturais, sociais e dilemas na vida moderna. Escrito em parceria com um grupo de alunos, a professora de psicologia da PUC de São Paulo discorre sobre as razões que levam o coração a se dividir. “No século XVIII, vendeu-se a idéia de que casamento e amor andam juntos. A fidelidade é, inclusive, defendida pela lei. Mas não dá para esperar que o amor vá durar o mesmo tempo que o casamento, pois ele é um sentimento, um ato de vontade. Como um casal pode jurar amor até que a morte os separe? Assim, teve início uma explosão de divórcios”, conta Noely.
Para a psicóloga, no momento em que entendermos que um amor não anula o outro, muitos casamentos serão preservados: “É possível amar uma pessoa, estar muito bem com ela, e, ainda assim, se encantar com outra. O amor não tem regra, nem hora para chegar. Mas, se partimos do pressuposto que só podemos amar uma pessoa, acabamos caindo no preconceito de achar que há alguma coisa errada para termos despertado para outro homem. Essa conclusão é perigosa, podendo levar a terminarmos uma relação muito boa”, afirma a autora.
Polêmico para nós, o assunto não despertaria muito interesse em outras culturas. A exclusividade do coração pode ser pré-requisito em alguns relacionamentos, mas quando nos afastamos de nossa realidade, encontramos exemplos de poligamia espalhados pelo mundo. Dos haréns afegãos às famílias mórmons americanas, os homens parecem ter o aval para manter uma coleção de esposas. “Em nossa sociedade, a monogamia é uma questão cultural, tendo inclusive apoio religioso. São tentativas de legislar sobre o desejo humano, e, principalmente, sobre a sexualidade feminina. A nossa cultura é monogâmica, e tem tradição cristã. Inserida nesse contexto, quando a pessoa se percebe amando duas, entra em conflito”, analisa Noely.
Amar não é aceitar tudo
Mas quem é que garante que não existe conflito entre os felizardos poligâmicos? Rosana Braga é consultora em relacionamentos e autora do livro “Alma Gêmea – Segredos de um encontro”. Rosana, que já acreditava que o coração só bate forte por uma pessoa, teve ainda mais convicção sobre suas crenças durante a pós-graduação que faz em Sexualidade. “Assisti a uma aula com um Sheik, que, falando sobre sua cultura, e sobre a permissão para ter até quatro esposas, acabou entregando o jogo. O Sheik admitiu sentir carinho por todas, mas que o coração é de uma só. Isso ninguém pode mudar. Podemos sentir um carinho especial por mais de uma pessoa, e até chegar a confundir esse sentimento com amor, mas, no fundo, o coração sabe quem o desperta de modo diferente, mágico e único”, revela Rosana. Romântica inveterada, a consultora acredita no amor com direito a todos os defeitos que ele possa ter. “Quem busca em mais de uma pessoa o melhor que elas podem oferecer, na verdade, não ama ninguém. Vladimir Maiakovski escreveu sabiamente: Amar não é aceitar tudo. Aliás, onde tudo é aceito, desconfio que haja falta de amor. Ninguém é capaz de corresponder a todas nossas expectativas. Amor só existe realmente quando o que se sente acolhe o todo que o outro é. Sempre haverá reclamações, cobranças, desentendimentos e ajustes a serem feito. É nisso que consiste o crescimento”, afirma.
Pode até ser. Mas quem vive o drama, garante que não é nada agradável ter o coração dividido. Regina Racco, professora de artes sensuais e grande confidente de homens e mulheres em busca de resposta para os dilemas do amor, já escutou todo tipo de angústia. “Amar duas pessoas é um grande sofrimento, só que, para as mulheres, é pior. A cultura e a educação falam mais alto para nós. Conheço homens que vivem por 20 anos com duas pessoas. Chegam até a ter filhos com ambas. Isso sem sentir culpa alguma!”, diz Regina. Enquanto a traição masculina é aceita – e até esperada –, a feminina ainda choca. Quando acontece, é escândalo na certa. Fazendo um movimento contra a corrente, o filme “Eu Tu Eles” conta a história da nordestina Darlene, personagem interpretada por Regina Case. Livre do julgamento alheio, em meio ao sertão cearense, Darlene vivia com três maridos debaixo do mesmo teto. A naturalidade com que os parceiros encaravam a situação nos obriga a pensar se a monogamia não passaria de uma questão cultural, imposta pelo meio. “Somos pessoas sociais, externamos o que a sociedade nos ensina. São fatores, como a religião, que reprimem, fazendo com que desconsideremos novas possibilidades de relacionamento”, diz Regina Racco.
Apesar de saber que a monogamia é imposta, Regina é a favor da exclusividade. “Não nos conhecemos tão profundamente para saber o que podemos vir a sentir, mas acredito que quando você está amada e feliz, faz uma calefação no seu sentimento. Se aparece outra pessoa, é porque há uma brecha no relacionamento. São pequenas mágoas que vamos acumulando. Com o tempo, essas gotinhas viram um mar”, explica Regina.
Deixando de lado toda e qualquer convenção social, existiria resposta para esta questão? Um sentimento tão nobre como o amor poderia acontecer duas vezes, e logo ao mesmo tempo? A autora Noely afirma que sim. A professora Regina Racco diz que não. E já que o que vale é ter uma opinião, entra na roda a psicanalista Priscila Gaspar. “Em termos de sentimento, sim, é possível. E acontece. Uma relação nunca é igual a outra, e sempre alguém terá algo mais a oferecer. É como quando comentamos: Uhm, se colocar o rosto do Fulano no corpo do Cicrano, seria o homem perfeito. Só que o homem perfeito não existe! Devemos aceitar as limitações do nosso parceiro”, afirma Priscila.
Verdadeiro ou falso, o fato é que ninguém gosta de sofrer. Não se trata de desculpa para pular a cerca. O melhor é evitar. Mas, como conselho se fosse bom, não se dava, se vendia, nem adianta avisar. Quando o amor chega, sai debaixo, porque já era. E aí, haja coração. “Quando não nos permitimos viver os amores, acabamos sentindo culpa, e sofrendo pela abdicação de um deles. Mas, se não nos culpássemos, as coisas poderiam fluir bem. Quem diz se é certo ou errado é a cultura”, arremata Priscila. Cada um que fique com a sua verdade, ou espere até o momento em que o Cupido, embriagado de amor, bata sem querer mais uma vez na sua porta.