Gente espaçosa

Eles chegam sem pedir licença. Normalmente, sem nem terem sido convidados. É só dar uma brecha, que se sentem no direito de dominar qualquer recinto. No aconchego do lar, no trabalho, e principalmente nos lugares públicos, sempre tem um espaçoso para se apoderar, sem cerimônia, de todo o território. Limite é algo que não compõe o vocabulário dos espaçosos. Quer ver: é só entrar em uma fila para notar um espertinho chegando e querendo passar na frente de quem quer que seja. No cinema, então, é raro não ter aquele inconveniente que passa o filme inteiro declamando em voz alta um comentário sem graça sobre cada cena. O trânsito também parece ser o lugar ideal para eles fazerem suas peripécias. Buzinam, ocupam duas pistas ao mesmo tempo, estacionam na calçada, invadem a faixa dos pedestres… Aliás, invadir é com eles mesmos!

Quando o assunto é gente espaçosa, a estudante Daniela Sartori usa sua convivência com uma de suas melhores amigas para traçar um perfil dessas figuras. Segundo ela, espaçosa é uma pessoa que, independentemente de onde estiver, se sente à vontade para fazer o que der na telha. Veja um exemplo: “Teve uma vez em que ela se convidou para vir se trocar na minha casa para irmos à balada. Chegando aqui, largou tudo jogado no banheiro, não deu descarga, deixou a toalha molhada sobre a minha cama, e fez tanto barulho que até acordou meu irmão pequeno”, conta a estudante. Mas a folga não pára por aí. Depois da festa, a menina ainda voltou para passar a noite, e só foi abrir os olhos às 18 horas do dia seguinte. E, como boa filona que é, só saiu depois de azarar o jantar da família da anfitriã. “Foram quase 48 horas completas me gastando”, revela a estudante, que persiste na amizade, apesar da falta de “simancol” da criatura.

Existem aqueles que tendem a atrair espaçosos dos mais variados calibres. A publicitária Sheila Malaquias garante que, além de ser um imã de folgados, é responsável pela inserção de alguns exemplares no mundo. “Desde criança, eu cuido da casa e dos meus irmãos e acabei os acostumando mal. Meu irmão, por exemplo, não tira um copo da mesa e a minha irmã, que ainda faz algumas tarefas, não tem responsabilidade com nada. Até o meu namorado entrou nessa”, revela a publicitária, assumindo sua parcela de culpa. Por fazer tudo pelos outros, acaba sobrando espaço para eles se espalharem. “Hoje em dia eu brigo, reclamo, mas não adianta! Só que é tempo de mudar!”, diz.

E mudar o seu estilo de ser foi exatamente o que a estudante de hotelaria Lúcia Benazzi fez para não acabar sucumbida pelos abusos de pessoas espaçosas. Ao invés de ficar se roendo de raiva ao ser espremida por um desses sem-noção, ela decidiu medir forças. “Agora os folgados não tem mais vez ao meu lado. Quando um estranho resolve se aproveitar de alguma situação, eu faço o mesmo que ele, só que em dobro!”, afirma a estudante, alegando que sua conduta tem se mostrado bastante eficaz. Segundo sua teoria, os espaçosos desrespeitam a privacidade dos outros porque nunca sentiram na pele os efeitos dessa invasão. “Quando começo a entrar em ação e pagar na mesma moeda, eles ficam calminhos. Claro, sem violência e sem brigas”, assegura a estudante.

Já a administradora Luiza Bouhid acredita que a solução está em não dar abertura aos caras-de-pau. De acordo com ela, se é fisicamente impossível dois corpos ocuparem o mesmo lugar, não vai ser ela quem haverá de ceder. Até porque os sem-vergonha são movidos por um intenso egocentrismo, que os faz pensar somente nas próprias vontades. “Na maioria dos casos, eles são egoístas, porque tudo se resume ao que eles querem. Falta consideração mesmo”, desabafa a administradora, que ficava às voltas com discussões quando namorava um autêntico espaçoso. Isso porque o tal, não satisfeito em ser expansivo com os íntimos, ainda invadia o domínio de desconhecidos. “Conviver com uma pessoa sem limites era, no mínimo, embaraçoso. Porque como ele não ligava para o que os outros pensavam, quem morria de vergonha era eu”, desabafa Luiza.

A psicanalista Alba Senna considera boa parte do comportamento dos espaçosos resultado da criação que eles receberam. Mas quem está pretendendo jogar a culpa da sua falta de noção geográfica nos ombros de papai e mamãe, escute mais essa: “Não se restringe apenas à educação. O que acontece é que essas pessoas não enxergam seus limites e por isso não respeitam o outro. Claro que isso é influência do meio em que eles estão inseridos, mas também vai da própria personalidade do sujeito”, avalia ela. Para ela, a principal questão é não saber lidar com a liberdade de cada um. “Eles não vêem fronteiras para sua ações, essa é uma forma de se sentirem livres e até de não precisarem lidar com a aceitação”, comenta a psicanalista.

É impossível não se lembrar de alguma situação que você tenha saído do sério com um engraçadinho que agiu como se fosse o dono do mundo. E, cá entre nós, atire a primeira pedra quem não pensou em algum conhecido que se enquadra nessa descrição. Mas se for jogar, cuidado! Do jeito que eles são folgados, pode ter um espaçoso lendo essa matéria atrás de você.