Hilda Hilst

“Não me procures ali

Onde os vivos visitam

Os chamados mortos.

Procura-me

Dentro das grandes águas

Nas praças

Num fogo coração

Entre cavalos, cães,

Nos arrozais, no arroio

Ou junto aos pássaros

Ou espelhada

Num outro alguém,

Subindo um duro caminho

Pedra, semente, sal

Passos da vida. Procura-me ali.

Viva. “

Hilda Hilst nasceu em Jaú, São Paulo, aos 21 de Abril de 1930. Filha do poeta Apolônio Almeida Prado Hilst e de Dona Bedecilda. Quando tinha três anos seus pais se separaram. Ela foi morar junto com a mãe, em Santos. Segundo Hilda, esta separação foi por causa do preconceito da família Almeida Prado com o casamento do poeta com uma moça humilde. A conseqüência desta “intervenção familiar” foi seu pai ser tomado pela esquizofrenia.

A vida com a mãe seria simples e dedicada aos estudos. Com oito anos foi matriculada no colégio Santa Marcelina, em São Paulo, onde fez seus estudos primários. Nessa época, segundo ela, “queria ser santa, pois estudava num colégio de freiras e rezava demais, vivia na capela. Sabia de cor a vida das santas”. A religião passou a ser, então, sua eterna fonte de inspiração.

Em 1946, com 16 anos, tornou a ver o pai, já completamente dominado pela doença. “Quando cheguei lá, ele pediu a minha carteira de identidade, eu dei…às vezes pegava na minha mão, acho que me confundia com minha mãe, e então dizia para eu dar três noites de amor para ele. Era uma coisa terrível, constrangedora”, contou. Neste momento, a artista optou por nunca ter filhos. Não queria levar adiante a loucura do pai, embora tivesse uma profunda admiração por ele, expressa, aliás, em todas as suas entrevistas posteriores. “Fiz minha obra por causa de meu pai. Eu queria agradá-lo e queria que ele dissesse que eu era alguém”, desabafa.

Aconselhada pela mãe, ingressou em 1948 no curso de Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, levando a partir daí, uma vida boêmia e escandalosa que se estenderia até 1963. Nessa ocasião, Hilda era considerada a mulher mais bonita da sociedade paulista e despertava paixão não só nos artistas como em todos os homens de sua geração. Nos três primeiros anos da década de 1950, estreou na literatura com os livros de poemas “Presságios, Balada de Alzira e Balada do Festival”, que mereceram o seguinte comentário de Carlos Drummond de Andrade:

“Abro a folha da manhã

Por entre espécies grã-finas

Emerge de musselinas

Hilda, estrela Aldebarã.

Tanto vestido enfeitado

Cobre e recobre de vez

Sua preclara nudez

Me sinto mui perturbado.

Hilda girando boates

Hilda fazendo chacrinha

Hilda dos outros, não minha

Coração que tanto bates.

Mas chega o Natal

e chama a ordem Hilda.

Não vez que nesses teus giroflês

Esqueces quem tanto te ama?

Então Hilda, que é sab(ilda)

Manda sua arma secreta:

um beijo em morse ao poeta.

Mas não me tapeias, Hilda.

Esclareçamos o assunto.

Nada de beijo postal

No Distrito Federal

o beijo é na boca e junto”.

Em 1952, conclui a universidade e passa a dedicar-se à literatura, apoiada por Cecília Meirelles e outros artistas, que reconhecem em Hilda uma capacidade criadora infinita. Em 1957, viaja para Europa, namora Dean Martin e tenta ter um caso, sem sucesso, com Marlon Brando. A década de 60 foi frutífera e Hilda passou a escrever para a Editora Massao Ohno. Em 1962, ganhou o prêmio Pen Club de São Paulo, pelo livro “Sete Cantos do Poeta para o Anjo”. Em 1966, morreu seu pai e a artista se recolheu definitivamente em sua fazenda Casa do Sol, próxima de Campinas, dispensando toda a vida social e se dedicando à criação literária. Lá, vive com o escultor Danti Casarini . Em 1968, por imposição da mãe é internada no mesmo sanatório que estivera seu pai e só saiu dali depois de aceitar a oficialização de seu casamento com Danti. Nesse período, escreveu peças literárias que foram encenadas – pela primeira vez – pela Escola de Arte Dramática, no Teatro Anchieta, em São Paulo.

Em 1969, ganhou um novo prêmio pelo livro “O Verdugo”, outro livro de poemas. No ano seguinte, publicou “Fluxo-Poema”, sua primeira obra em prosa, onde reinventou a língua portuguesa em um texto de poética e gramática libertária. Comparada a Guimarães Rosa, tem seus textos interpretados no teatro e lança diversos livros.

Com 52 anos, em 1982, lança o livro “A Obscena Senhora D”, cuja verve erótica impressionou a crítica e passou a fazer parte do Programa Artista Residente da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, que compra toda a sua obra. Em 1983, recebe o prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira pelo livro “Cantares de Perda e Predileção”.

Em 1990, anunciou o “Adeus à Literatura Séria”, com a publicação de um dos mais impressionantes livros brasileiros – “O Caderninho Rosa de lori lamb” – que consagrou sua fase pornográfica. O livro foi recusado por diversas editoras, considerado um lixo pela crítica e espantoso pelos amigos. Em 1991, saiu “Contos de Escárnio/ Textos Grotescos” e, nos anos seguintes, novos livros eróticos.

Seu site oficial entrou no ar em 1999, onde os interessados poderão encontrar transcritas diversas obras, entrevistas e fotos maravilhosas da artista. Hilda Hilst ainda vive, produzindo a sua imensa literatura. Poeta, dramaturga e ficcionista, a artista foi agraciada com os mais importantes prêmios literários do País. Alguns de seus livros foram traduzidos para o francês, inglês, italiano e alemão. Em março de 1997, seus textos “Com os Meus Olhos de Cão” e “A Obscena Senhora D” foram publicados pela Ed. Gallimard.

Em entrevista feita em 1999 para os Cadernos de Literatura do Instituto Moreira Salles, que foi a referência bibliográfica para este artigo, a artista nos seduz com suas idéias.

Cadernos: Noutras palavras, a sua poética, de certo modo, sempre foi a do

desejo?

Hilda Hilst: Daquele suposto desejo que um dia eu vi e senti em algum lugar. Eu vi Deus em algum lugar. É isso que eu quero dizer.

Hilda Hilst: Não preciso mais falar nada, entende? Quando a gente já conheceu isso, não precisa mais falar, não dá mais pra falar.

Cadernos: É, portanto, um esgotamento da linguagem, um impasse, digamos, “expressivo”, que leva ao silêncio?

Hilda Hilst: É verdade. Leva ao silêncio. Eu fui atingida na minha possibilidade de falar. Lá do alto me mandam não falar. Por isso é que estou

assim.

Cadernos: Sua obra, no fundo, então, procura…

Hilda Hilst: Deus.

Cadernos: Ele não significava o Outro, o outro ser humano?

Hilda Hilst: Deus é Deus. O tempo inteiro você vai ver isso no meu trabalho. Eu nem falo “minha obra” porque acho pedante. Prefiro falar “meu trabalho”. O tempo todo você vai encontrar isso no meu trabalho.

Em sua última obra, “Do Amor”, percebemos que, para Hilda Hilst, ser artista é também viver toda a intensidade do feminino.

“Aflição de ser eu e não ser outra

Aflição de não ser, amor, aquela

Que muitas filhas te deu, casou donzela

E á noite se prepara e se advinha

Objeto de amor, atenta e bela….”