Eu nunca contei isso para ninguém. Não por ser um segredo sujo, pois não é. Mas por ser um segredo engraçado. Eu guardei isso durante tanto tempo, mas agora, sei lá por que razão, resolvi contar. Acho que porque tem muita gente que faz a mesma coisa. E também porque quem não faz, talvez, se empolgue e comece a fazer igual.
Em alguns dias da minha existência tenho vontade de dançar. Dançar com toda força, com toda inspiração, com toda sensualidade. Mas exatamente nesses dias estou bem no meio do horário de trabalho. Ou, então, estou em casa sem a menor chance de sair e dançar propriamente.
Meu outro segredo é que cada vez que pego um ônibus sento de um lado diferente. Uma vez no lado esquerdo, a outra no lado direito
Aí, nesses dias, eu coloco o radinho no ouvido, munido com música de trepidar as artérias e danço. Danço mesmo, bem ali no meio da minha sala ou no banheiro do trabalho. Sozinha. É delicioso, inspirante, rejuvenescedor e gostoso pra caramba.
Meu outro segredo é que cada vez que pego um ônibus sento de um lado diferente. Uma vez no lado esquerdo, a outra no lado direito. “Mas por que você faz isso?”, você pode estar se perguntando.
Faço isso porque quando você pega o mesmo ônibus todos os dias, tende a achar que já viu tudo que aquelas ruas pelas quais o ônibus passa podem oferecer. Aquela casa está sempre no mesmo lugar. Aquela árvore também. Aquele restaurante, aquela banca de jornal, tudo está sempre no mesmo lugar. Ledo engano. Essas coisas materiais estão sempre no mesmo lugar, mas tem sempre um detalhe aqui e ali que você não reparou. Te garanto.
Quando você vai para o trabalho durante o dia, não consegue ver o que tem dentro da janela daquela casa enorme. Mas à noite, quando volta do trabalho para casa, a luz daquela janela está acesa e dá pra ver que ali é um quarto de criança e que tem penduricalhos no teto. Naquela outra casa, você não tinha reparado que o jardim abriga flores vermelhas e rosas.
Olhando com atenção, pode reparar que a moça que trabalha naquele bar tem uma quedinha pelo dono da banca de jornal, pois todos os dias, no exato horário que você passa, ela está levando um copo de café com leite e um croissant para ele. O moço da banca sorri aquele sorriso de quem está apaixonado. Ela retribui com o mesmo sorriso.
Não sou voyeur, nem curiosa ao extremo. Eu gosto apenas de olhar para fora, pois é muito fácil ir para o trabalho todos os dias pensando no que eu tenho que comprar para jantar e que tenho que ir ao banco pagar uma conta. Esses pensamentos fazem você olhar para dentro e perder os acontecimentos ao seu redor.