
Não importa se somos a favor de Dilma, de Michel Temer ou que tenhamos qualquer outra posição política. Não importam aqui debates acalorados. Não importa de “que lado” estamos. É preciso falar: essa é a primeira vez, desde o fim dos anos 1970, que não há nenhuma mulher no governo. Nenhuma mulher. Não há negros também. Apenas homens, e apenas homens brancos. E isso tem um simbolismo enorme.
A formação do novo governo, comandado pelo presidente interino Michel Temer, levantou um debate sobre representação política. A ausência de mulheres nos ministérios é um retrocesso histórico para todas, sejam donas de casa, mães ou que optaram por não ter filhos, trabalhadoras, estudantes e que lutam a cada dia para serem respeitadas e valorizadas.
Mulheres na política
Com o novo ministério, o governo brasileiro deixa de ter um perfil diversificado (mesmo que em que números pequenos), o que não ocorria desde 1979, quando o general João Figueiredo, ainda durante a ditadura militar, indicou a primeira ministra do Brasil, Esther de Figueiredo Ferraz, que comandou a pasta de Educação e Cultura. Depois dele todos os outros presidentes nomearam mulheres. Foi Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Brasil, quem registrou maior participação feminina no governo, com 18 mulheres ao longo de sua gestão.
Ministério sem mulheres: opiniões importantes
Miriam Leitão

“Será um retrocesso. Depois dos governos do PT, em que houve mais diversidade, de mulheres, negros, o desenho até agora é de um governo Temer sem diversidade. Se isso se confirmar, já entra com cara de passado.”
Míriam Leitão é jornalista e apresentadora do canal GloboNews. Também é colunista no jornal O Globo, tem um blog e vários livros publicados. Em mais de 40 anos de carreira, se tornou conhecida por suas opiniões sobre economia e política e já ganhou diversos prêmios de jornalismo..
Rosiska Darcy de Oliveira
“É quase inacreditável que tenhamos retrocedido quase três décadas. Foram duas grandes perdas: o fato de não termos nenhuma ministra e o desaparecimento da Secretaria das Mulheres, que foi incorporada pelo Ministério da Justiça.”
Rosiska Darcy de Oliveira é jornalista, escritora, faz parte da Academia Brasileira de Letras e, atualmente, é presidente do “Rio Como Vamos”, projeto criado por um grupo de moradores do Rio de Janeiro com o objetivo de melhorar a qualidade de vida na cidade.
Clara Araújo
“Um governo e a representação política como um todo deveria refletir a diversidade social e os interesses democráticos do país. A inexistência de mulheres – que são maioria da população e do eleitorado – ou outros segmentos da sociedade representados no governo anula qualquer chance de diversidade. É um enorme retrocesso, pois depois de algumas décadas de espaço volta-se à estaca zero. É muito difícil conceber que num conjunto amplo de partidos não exista uma mulher para assumir um ministério. Há um grau de conservadorismo muito grande, com concepções familistas e paternalistas sobre quais são os papéis das mulheres na sociedade.”
Clara Araújo é socióloga, pesquisadora do departamento de Ciências Sociais e Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdade Contemporâneas e Relações de Gênero (Nuderg) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Renata Correa
“Filha, (…) Sua bisavó nasceu em 1930, e não votou para presidente até sua avó nascer. Sua vó nasceu em 1956 e não votou para presidente até depois do meu nascimento. Eu nasci no fim de uma ditadura militar e nas primeiras eleições para presidente eu já tinha sete anos. Já quando você nasceu eu já tinha votado para presidente três vezes e uma mulher era presidente da república. Eu queria contar para você que, nós, essas quatro mulheres, vimos ano a ano uma democracia se fortalecer e estabelecer. Mas a verdade filha, é que a república do café com leite lá da época do nascimento de sua bisavó ainda está em vigor. E que as instituições que matavam, torturavam e desapareciam com pessoas na época da sua avó nunca foram punidas e continuaram em pleno fucionamento. E é por isso que estamos vivendo o que estamos vivendo hoje.”
Trecho de uma carta escrita por Renata Correa, roteirista e feminista, dedicada à sua filha, que está perto de completar quatro anos.
Nota da editora: O Bolsa de Mulher é apartidário na política, mas defende a luta por todas nós, mulheres. A falta de representatividade feminina no governo é um problema que afeta a todas, independente de posicionamentos. Quando não temos voz, vemos aumentar ainda mais a desigualdade entre homens e mulheres. Em um país onde somos mais da metade da população (51,4%, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, divulgada pelo IBGE em 2013, o que equivale a 5,2 milhões de mulheres a mais do que homens), além de sermos maioria em universidades (mulheres são 60% dos alunos que concluem cursos nas universidades brasileiras, de acordo com pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Inep, de 2013), ainda somos minoria no mercado de trabalho, ganhamos salários mais baixos, e continuamos não sendo “qualificadas” para cargos públicos. Nós somos capazes, e precisamos estar em cargos relevantes para nos fazer ouvir.