Miolos humanos e vinho

Cérebro humano combina com que tipo de vinho? Desde o premiado O Silêncio dos Inocentes (Silence of the Lambs) ficamos conhecendo o sofisticado Dr. Hannibal Lecter, obcecado por um prato de fígado – humano, naturalmente – com favas e acompanhado por um belo Chianti Classico. Agora, vamos ter um segundo filme da série (chama Hannibal, no original) com o mesmo Anthony Hopkins (ganhou Oscar de melhor ator no primeiro filme da série, há dez anos) fazendo o sofisticado, civilizado, cultíssimo, tranqüilo, tremendamente inteligente Dr. Lecter. Jodie Foster (Oscar de melhor atriz com o primeiro filme), que faz a agente Starling, do FBI, não está nesse, mas seu papel continua pelas artes da atriz Julianne Moore. O diretor é o respeitado Ridley Scott, de Os Gladiadores. O filme acaba de ser lançado em Nova York, de onde acabo de chegar (e por isso posso contar tudo de camarote, viu, moças!).

Nesse segundo filme temos mais uma aulinha de harmonização entre vinho e comida de Hannibal-Hopkins. Pois ele prepara um jantar de sonhos: caviar beluga, foie gras e, prato principal, lobos frontais fritos (leia-se: miolos humanos fritos). Claro que, para tão elevada iguaria, só um grande vinho. Em vez do valente Chianti, ele, altamente educado, muito lido, vivido, serviu-se de um senhor tinto, o Phélan-Segur. A safra era de 96. Não é pra qualquer um.

Não falo pelos miolos. Do jeito que as coisas estão por aqui, já começo a olhar meus vizinhos com outros olhos. E o pior é que sinto que os vizinhos me olham da mesma maneira! Mas a escolha do Phélan-Segur para acompanhá-los é coisa de quem conhece muito do bem vinhos e comidas. Isso, infelizmente, meus vizinhos ainda não sabem.

Miolos – podemos dizer que, numa categoria social não muito emergente (como diz meu amigo João Camargo, dono do Museum Café, do Rio), são corriqueiros. O pessoal chama de miúdos. São, claro, miúdos de boi e de outros animais. Devido à sua consistência macia, precisam ser cozidos (e esterilizados pela ação da fervura), quando se tornam firmes, consistentes. Podem ser preparados ao molho (de tomates, por exemplo), gratinados e fritos – como preferiu o Dr. Lecter. Homem aberto, ele não faz diferença entre os tipos de animais (e de miolos).

A escolha de um Bordeaux potente como o Phélan-Segur se justifica. Independente do modo de preparar, todo miolo é pungente e rico. É um tanto forte para um vinho branco. Mas para um tinto como este St.-Estèphe sem dúvida que cai bem. (Saí do cinema e degustei um 97. Esplêndido! Mas você vai ter que ir até final da coluna para saber onde e como foi essa experiência).