Planeta Água

Dia 22 de março foi a data escolhida pela Organização das Nações Unidas para celebrar o Dia Mundial da Água. Mais do que uma comemoração, é um momento para conscientizar a população de todo o mundo a respeito dos problemas relativos à escassez deste elemento indispensável à vida. Cerca de dois terços do corpo humano é constituído de água, assim como a superfície terrestre, que tem dois terços de sua composição líquida. Certamente é o elemento que melhor simboliza a essência humana. No entanto, embora a Terra seja conhecida como o “planeta azul”, a água disponível para consumo não é tão abundante como se pode imaginar…

Aproximadamente 97% da água do planeta é salgada. Pouco mais de 2% é doce, mas não está disponível à população, pois encontra-se na forma sólida, em geleiras, calotas polares e neves eternas. Sendo assim, sobra menos de 1% – na verdade, cerca de 0,3% apenas – de água potável para o uso, em rios, lagos e reservatórios subterrâneos. Além disso, menos de 1% dessa água doce disponível provém de fontes consideradas renováveis. “O risco da falta de água é um fato. O homem está cada vez mais se concentrando em cidades – 82% da população brasileira vive em áreas urbanas. Isto gera uma demanda excessiva por água”, afirma o engenheiro e ambientalista David Zee, professor do Departamento de Oceanografia e Hidrologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Na Europa, que já está mais atenta à questão da escassez da água, é comum minimizarem o consumo. Aqui, ainda vemos muito desperdício e mau uso

A situação é grave no mundo inteiro (especialmente no Oriente Médio, que conta com pouquíssimos recursos), mas podemos dizer que o Brasil é privilegiado neste assunto. O país conta com cerca de 12% da concentração mundial de água doce, e, segundo a Unesco/ONU, possui o maior volume de água doce renovável, com mais 6.220 bilhões de metros cúbicos a serem aproveitados. Embaixo do solo brasileiro encontra-se 97% da água potável subterrânea em estado líquido do planeta. “O Brasil é uma das grandes reservas hídricas do mundo, mas a maior parte da água potável está no Norte e no Nordeste, enquanto a população se concentra nas regiões Sul e Sudeste do país. A demanda, então, é desproporcional”, compara David Zee.

Abundância ou escassez?

Para o professor, um dos principais problemas a serem solucionados é a acessibilidade à água que se encontra debaixo do solo, por exemplo. A maior reserva de água doce subterrânea do mundo está no aqüífero Guarani, localizado na região que engloba o centro-sul do Brasil, o nordeste argentino, o Paraguai e o Uruguai. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Ambiental e Agropecuária (Embrapa), a água no local é de ótima qualidade e suficiente para abastecer o país inteiro por dois milênios. “Para retirar a água que está subterrânea, é preciso investimentos em tecnologia avançada, o que gera um aumento do custo para quem vai consumi-la. Temos a maior parte do aqüífero Guarani sob o território brasileiro. Mas a viabilidade do seu uso depende dos custos (de bombeamento) e da avaliação dos impactos e da poluição que seriam gerados”, explica David. Apesar de ser ainda pouco aproveitado, a água mineral do aqüífero já tem sido extraída por algumas empresas, fato que preocupa alguns ambientalistas.

Na verdade, a água é um recurso natural reciclável. Na superfície ela se evapora, forma nuvens, e volta à terra através de chuvas e neve, que escorrem para os rios, lagos e subsolo, fazendo um processo cíclico. Entretanto, a poluição e a contaminação, além de outros fatores como a destruição de mananciais, o assoreamento de rios e lagos e a impermeabilização do solo, comprometem o volume de água potável e reutilizável. Para cada mil litros de água usados, outros 10 mil são poluídos. “Cerca de 20% da origem da água que usamos provém dos esgotos. O tratamento também eleva os custos. Acho que muito poderia ser resolvido com a otimização do uso. Para dar um exemplo de utilização errônea: a água das torneiras, e até que usamos para beber, é a mesma dos vasos sanitários”, observa David Zee. O professor lembra, também, que a mudança nos hábitos da população é de vital importância, e não apenas um apelo exagerado dos ambientalistas: “O desenvolvimento de tecnologias, aliado aos costumes das pessoas, pode aliviar bastante esse panorama negativo. Na Europa, que já está mais atenta à questão da escassez da água, é comum minimizarem o consumo. Aqui, ainda vemos muito desperdício e mau uso”, diz.

E o tanto de água salgada que há na Terra, não poderia ser convertida em água potável? “De fato, isso é possível. Mas mais uma vez nos deparamos com os custos – no caso, da dessalinização. Acredito, contudo, que é provável que este processo futuramente acabe se transformando numa solução, se não tentarmos logo reverter a situação atual”, conclui David.