Bolsa de Mulher – Quando você descobriu que era homossexual?
Rogéria – Não existe essa de opção. Eu acho que homossexualismo acontece na barriga da mãe, na corrida do espermatozóide para encontrar o óvulo. É a maior mentira esse negócio de opção e é por isso que tem tanta bicha enrustida. Tem muito homem que se trava, casa e tem até filhos porque nem todo mundo nasce Rogéria. Disseram que não nasci, eu estreei. Eu nasci artista, eu era uma mulherzinha bem feminina. Sou primogênito de uma família que sempre me aceitou. Infelizmente, os outros homossexuais não têm uma família como a minha. Na verdade, nunca fui de dar confiança para ninguém, só para minha mãe e Deus, Nosso Senhor. Você sabia que eu tenho Cristo interno desde que eu me entendo por gente? Eu estaria perdida se não fosse ele.
BM – Como é a tua religiosidade?
R – Eu sou católica espiritualizada. Eu corro para Nossa Senhora, Santo Expedito e para todos os santos. Eu sempre tive Deus interno. Eu não preciso de padre, pastor, nada disso. Eu vou direto a Deus e ao filho dele porque eles são muito mais simples e nada preconceituosos. Eu vou direto ao “Chefe”. Eu sinto a presença de Deus, que dá aquela dor no coração, uma dor pelo sofrimento, pela bondade e pela felicidade, porque Jesus é alegria. Essas religiões vão querer me ensinar tudo isso agora, na véspera de eu completar 58 anos. É uma balela quando você olha esses caras travestidos de bispo querendo “curar homossexuais”. Eu já dei cada gargalhada! Pra mim, homossexualismo é um excesso de hormônio feminino, porque eu não tenho outra explicação. Minha mãe já notou a minha homossexualidade quando eu tinha três anos. “Com três anos você já era uma menininha e muito linda”, disse ela.
BM – Fale da tua mãe.
R – A maior grandeza da minha vida foi o fato de ter a mãe certa. Minha mãe é muito importante. Ela nunca me chamou atenção por nada.
BM – Como é a relação com teu pai?
R – Meu pai está vivo, mas ele se separou da minha mãe quando eu tinha três anos. O meu avô Astolfo fazia a figura paterna. Ele disse uma coisa fantástica para minha mãe: “Eloá, você é a mulher que teve o melhor filho da família.”
BM – Onde você foi criado?
R – Entre o Rio e Niterói. Minha mãe ficou grávida em Niterói mas foi me ter em Cantagalo. Olha que chique! Meu avô era promotor em Cantagalo. Eu tinha que nascer na terra de Euclydes da Cunha, né?
BM – Tua família era de classe média?
R– Era, nunca me faltou nada. Sabe o que eu ganhava de presente? Eu tenho horror de boneca… eu ganhava uma bola de vôlei branca. Naquela época não existia bola de futebol branca. Todo mundo me olhava com a bola branca e não podia dizer nada porque tinha medo de levar um tapa na cara.
BM – Qual o tipo de homem que te atrai?
R – O falso magro e com uma “mala” imensa, tipo Sean Connery no filme o “Satânico Doutor No”. Eu preciso de um sex appeal, eu não quero mais beleza. Você não tem prazer só com beleza. Antigamente eu queria Paul Newman e um feito James Dean com o cigarro na boca. Gosto de homem com cara de mau, mas sem ser mau. Ele tem apenas que representar porque eu faço a direção total do meu orgasmo. Eu estou pouco me importando se ele tem orgasmo ou não. Mas eu vou dizer a verdade: agora não saio mais para trepar por trepar. Se eu saio e não encontro o cara que me excita, vou pra casa e bato uma boa siririca que é uma delícia e ainda dizem que é pecado.
BM – Você já se sentiu atraído por mulheres?
R – Não, mulher tem que ser irmã, mãe, amiga… Minhas melhores amigas são mulheres. Viro uma psicanalista de qualquer mulher que pára perto de mim, elas me contam tudo.
BM – Você é volúvel?
R – Sou porque sou resolvida amorosamente. Nunca fui fiel, sou homem, homem é fiel à alguma coisa?
BM – Você já teve alguma paixão?
R – Eu tive meu primeiro amorzinho-bonitinho-de-Cinderela quando eu tinha 13 anos.
BM – Quantos anos ele tinha?
R – Dezessete anos. Ele me levava ao cinema, pegava na minha mão, tudo escondido do meu irmão. Sabia que ele não me pedia sexo? Eu tive meu grande amor aos 19 anos, resolvemos até morar juntos. Mas um dia acabou, você sabe, sou geminiana com ascendente em leão, volúvel. Aí encontrei em São Paulo outro geminiano arquibilhardário, mas não fiquei com ele pelo dinheiro porque nunca fui puta. Esse paulista me mandava calar a boca, me dava uns tapas na cara tipo Glenn Ford em Rita Hayworth, no filme “Gilda”. Eu fui fiel a ele porque tinha medo de apanhar. Esse relacionamento durou dois anos e foi divino. Ele me tratava como mulher. Ele é homem e vivia com a mãe. Jamais saio com gay, não consigo ir pra cama com gay. Gay é cabeça, não é cú. Eu conheço muito homem que toma no cú e não é homossexual, é um vicioso. Depois do paulista, apareceu um terceiro homem que era policial, só não posso dizer o nome dele. A minha vontade de casamento acabou quando fui para Europa e África. Comecei a ter só envolvimentos sexuais. Eu tenho que dormir sozinha, enrolar meu cabelo, passar meus cremes. Eu passei por uma fase maravilhosa, dos 13 aos 29 anos, que é a melhor época para amar. Amar agora é muito chato. Eu amo agora minha mãe, a arte e Deus.
BM – Você é feminina quando paquera?
R – Sou terrivelmente feminina nessa hora. Nunca dou em cima de um homem, faço que o cara venha a mim.
BM – Vejo um lado maternal em você, você já criou alguma criança?
R – Eu jamais seria mãe porque eu sou católica e, por exemplo, se eu fosse mulher e tivesse que fazer um aborto, eu me matava. Olha que merda!
BM – Você já se prostituiu?
R – Não, nunca me prostituí. Eu saí com uma mulher porque o marido me pediu e me ofereceu um apartamento em troca. Essa foi a primeira vez que eu comi uma xoxota. O cara era um marchand de pedras preciosas e tinha essa tara. A menina era uma espécie de Catherine Deneuve, superfeminina, e a brochada foi maior ainda. A feminilidade me brocha. Ela me agarrou tão forte que se eu tivesse prótese, teria arrancado. Nessa hora, descobri que as mulheres fazem uma pressãozinha e pensei que ela ia arrancar meu pau. Dei uma brochada em um determinado momento e fiz tudo para evitar que ela percebesse, porque não queria traumatizar a menina. Então, pensei numa banheira enorme com 800 homens se masturbando em cima de mim. Aí consegui ter ereção outra vez e o marido tirou-a debaixo de mim a tapas. Foi uma boa experiência porque eu fiquei sabendo o porquê dos homens gostarem tanto de mulheres. Nada como o órgão genital de uma mulher… para quem gosta. Eu comi a mulher por uma deferência especial, por um favor e por um tríplex. Eu abri esse precedente, não posso me considerar uma prostituta porque não fiquei na rua para ganhar um tostãozinho. Posso dizer que não existe a puta dentro de mim. Esse fato aconteceu em 1971, em Genebra, Suíça.
BM – Quem é teu ídolo?
R – Marilyn Monroe. Ela é meu ídolo porque, em primeiro lugar, ninguém vai cantar como ela. Em segundo lugar, ao ver no cinema Central em Niterói “Como agarrar um milionário”, eu tive a idéia de ser loira como a Marilyn. Para mim, ser loira não é tinta no cabelo, é alma, pele e cor de olho. É burrice achar que ser loira é usar água oxigenada no cabelo. Eu sou loira, não sou morena. Eu não existo de cabelo escuro. Mas a minha atriz na América sempre foi Bette Davis. E, no Brasil, obviamente, Fernanda Montenegro. O sucesso não mudou a cabeça da Fernanda. Eu gosto de ver o sucesso chegar pra você e você não pegar a arrogância e jogar em cima.
BM – Você pretende operar?
R – Ah, não. Não operei aos 20, não vou operar agora.
BM – Está todo mundo colocando silicone. O que você acha?
R – Eu não tenho silicone. Toca no meu seio, querida, porque você vai ter a impressão agora. Aperta! Você que vai falar.
BM – Enorme!
R – Olha, gente, eu botei o peito para fora e ela ficou constrangidíssima em tocar no meu peito. Toca de novo! Isso é que derruba os namorados.
BM – O que você fez para ficar com o peito desse tamanho?
R – Tomei hormônio. A primeira vez foi em Biarritz e me deixou brocha um ano e meio. Fiquei esse tempo todo sem olhar um homem, isso me deixou em pânico. Tomava progesterona naquela época. Depois fui pra Suíça e lá descobri um hormônio fantástico. Tomei e meu peito pulava na rua. Eu andava e aquilo fazia tum, tum, tum. Vai fazer 30 anos que não tomo mais hormônio e meus peitos continuam lindos e em pé.
BM – Você já posou nua?
R – Já, nos anos 80. Posei nua como mulher, coloquei meu pau para trás. O problema é o rosto, a fisionomia que você vai fazer. Porque posar nua com cara de babaca… é isso que a gente vê aos montes. Quando olhei para o meu rosto na foto achei que ganharia o Oscar. Eu fiquei muito feliz com o ensaio fotógrafo que fiz para a revista Status. Outro dia me convidaram pra tirar foto nua com o cacete de fora. Eu fiquei furiosa. Porque eles queriam tirar as fotos apenas achando que eu queria uma midiazinha. Eu não preciso disso. O João Gordo, no seu programa da MTV, falou que eu representava a mãe dele, foi o maior elogio que ele poderia ter feito porque ele não viu uma traveca ali. Ele pensou que fosse ver uma traveca. Eu me segurei e comecei a falar em francês. Ele percebeu que não estava entrevistando uma travequinha, era Rogéria. E você viu que eu me saí muitíssimo bem, né?
BM – Você é amiga da Roberta Close?
R – Ela é uma gracinha, uma filha maravilhosa, um amor de pessoa. Roberta é transexual, ela é mulher há mais de 10 anos. É inadmissível que aquilo fosse homem, ela realmente é uma mulher em todos os sentidos e está feliz. Ela tem um marido chamado Rolland. Você sabia que ela tem um pai militar e nunca teve problemas com a família?
BM – Quem está sendo entrevistada Rogéria ou Astolfo?
R – Rogéria. Mas eu tiro resquícios de Astolfo, principalmente quando falo da minha família. Sou geminiana com ascendente em leão, sou várias mulheres com uma cabeça só.
BM – Você é muito assediada pelos homens?
R – As pessoas têm mania de achar que os homossexuais correm atrás dos homens e isso não é sempre verdade. Os homens é que correm atrás, principalmente de Rogéria. As pessoas acham que os homens vêm procurar os nossos cacetes. Pode até ser, no meio da prostituição, mas essa não é uma grande verdade porque os homens estão procurando mesmo o glamour perdido da mulher dos anos 50, Hollywood. O homem quer o salto alto, caminhadas a la Giselle Bündchen, que eu já faço desde que nasci. É gostoso que você tenha presenciado o assédio e eu tirando o corpo fora, porque eu não consigo sair com um cara se eu não o conheço ou se eu não sei qual o tamanho do cacete dele. Você está entendendo? O tamanho do cacete não é o principal para mulher, mas é para um bom veado internacional.
BM – Como você se cuida?
R – Não uso cremes. Eu tiro a maquiagem com manteiga porque eu sou superalérgica e a manteiga não tem componentes químicos. É o melhor demaquilante e ainda hidrata. Depois de passar no rosto inteiro, eu retiro com algodão molhado em água.
BM – Você faz dieta e ginástica?
R – Não, ao contrário. Como tudo. Posso comer até feijão com carnes antes de dormir e não tenho pesadelo. Só não gosto de miolo e fígado.
BM – Você se depila?
R – Não, eu me raspo porque eu ainda não encontrei depiladora igual a Catherine, de Paris. Os pêlos encravaram sempre que me depilei aqui no Brasil. Raspar é a melhor coisa, fico pronta em dois minutos.
BM – Onde está a barba?
R – Eu só tinha uns pêlos no rosto. Um namorado grego, o Dimitri, foi tirando através da eletrólise. Eu queria tirar uma possível sombra e o que mata travesti é sombra de barba.
BM – Você já fez plástica?
R – Só quando sofri um acidente seríssimo de carro. O Pitanguy me operou. Eu não estava usando o cinto de segurança na ocasião.
BM – Qual é a tua altura?
R – Eu tenho 1,68 m. Na minha época, travesti grande não passava. Não entrava também quem tivesse músculos. Hoje em dia, as mulheres querem músculos e são superaltas. Por isso são chamadas, às vezes, de travestis.
BM – Você vai ao banheiro dos homens ou das mulheres quando está num restaurante?
R – Vou ao das mulheres porque sou bem aceita. Se eu entrar no banheiro dos homens, as pessoas vão achar que eu vou para olhar os homens e não para resolver minhas necessidades fisiológicas. Jamais entrei em banheiro para pegar um homem.
BM – Você tem saudade de algum homem?
R – Tenho, do Ayrton Senna. Ele me fazia chorar. Fiquei sem ver fórmula 1 durante dois anos. Nunca chorei tanto por um homem quanto eu chorei por Ayrton Senna. Ele era a alegria das minhas manhãs de domingo.
BM – Disseram que a Miss França 2001 é homem. Qual tua opinião?
R – Não, não é. Engraçado como comparam uma mulher tão feminina com um travesti. Isso é para você ver como os travestis estão maravilhosos. Ela foi apenas júri do concurso de transexuais em Paris. Eu tinha notado que ela é mulher. Notei quando eu vi o altinho no maiô dela. Travesti não quer altinho, quer tudo lisinho. Esse altinho das mulheres é uma gordurinha e os travestis ainda não perceberam que tem que ficar uma ligeira coisinha altinha no biquíni.
BM – O que você acha da Miss Brasil 2001?
R – Eu votei nela, era jurada do concurso. Ela fala em 19 plásticas mas eu não acredito. Houve um pouco de publicidade em torno disso. Eu votei nela porque vi que ela é inteligente, na hora do teste pra falar. Ela é formada e não fica lendo “O Pequeno Príncipe”. Ela deu um banho nas outras.
BM – Quais as boites que você freqüenta?
R – A Blue Angel, do meu amigo Zeca Albuquerque, em Copacabana. Gosto também da Le Boy, do Giles.