Solteirinha da silva

Antes só do que mal acompanhada, já dizia o ditado. Muitas mulheres cresceram escutando essa frase da boca dos pais, preocupados em evitar que suas meninas se envolvessem em relações frustradas. Mas quando o “só” começa a se estender, e passa num piscar de olhos de um mês para um ano, é bom prestar atenção nos motivos que levam à opção pela solteirice. Afinal, até ditado tem prazo de validade, e não pode ser utilizado como uma desculpa para mascarar problemas.

Estar solteira pode ser, sim, maravilhoso, além de um grande aprendizado. Após viver algumas decepções, a cantora Claudia Lage permitiu-se encarar a condição da melhor forma, e entregar-se ao trio livre, leve e solta. Solteira há 10 meses, ela considera-se satisfeita o suficiente para não se entregar ao primeiro olhar 43, e vê inúmeras vantagens em não dividir o edredom. “Tenho amigas que estão sempre namorando, e com qualquer um. Acho que elas gostam mais da idéia de se apaixonar do que do cara. Eu faço o que quero sem precisar de aprovação dos outros, e me permito coisas que num relacionamento deixamos de lado para agradar ao outro”, acredita.

Aos 28 anos, Cláudia se orgulha de estar solteira e feliz, duas palavras que não costumam combinar. “Após um namoro de dois anos, aprendi a conviver comigo mesma. Me encontrei e me aceitei, e essa foi minha maior conquista”, conta. Mas nem por isso vê com maus olhos a possibilidade de um novo amor. “Espero que o próximo relacionamento venha com calma, no seu tempo, e que eu possa compartilhar o que aprendi. Ninguém pode responsabilizar o outro pela própria felicidade se não sabe o que te faz feliz”, argumenta. Claudia parece estar realmente satisfeita, mas o psicoterapeuta Paulo Quinet acredita ser muito difícil estar feliz só. “É uma tendência natural do ser humano buscar um par. Por determinadas circunstâncias ela está solteira, mas ter o desejo de estar com alguém é o natural. Estranho é não estar”, afirma. “Eu não sei se existe uma pessoa sozinha feliz, pois existe uma busca de completude num relacionamento com o outro”, acrescenta.

Pode até ser, mas quem disse que é fácil? Há motivos responsáveis pela solteirice que vão muito além da nossa capacidade de conquista, e a escassez masculina deixou de ser conversa furada entre amigas para virar dado demográfico. Estima-se que 30% de todas as mulheres do planeta estejam solteiras, e, de acordo, com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2003, a média nacional era de 95 homens para cada 100 mulheres, o que corresponde a um excesso de quatro milhões de mulheres. Em cidades como o Rio de Janeiro, essa proporção chega a 86 para 100, e no Distrito Federal, 87 para 100!

Se você faz parte dessas quatro milhões que estão, literalmente, sobrando, diante de números tão terríveis, encarar a solteirice com alto astral parece ser a opção mais inteligente para driblar a falta de homem no mercado. “Já estamos em maior número. Imagine depois de subtrair todos os gays, padres e casados. Não sobra muita coisa que preste, né?”, diverte-se a estilista Lúcia Guimarães. Solteira e de bem com a vida, ela aproveita o tempo de vacas magras para cair na farra. “Já que não tenho um homem me esperando em casa, perco a linha na rua. Assim, quando cair um na minha isca, não vou me arrepender de não ter aproveitado”, ensina.

E é bom aproveitar mesmo, porque para quem espera o príncipe encantado, esse está cada vez mais longe de aparecer. Ele pode ser o mesmo, mas o que mudou fomos nós e nossa listinha de pré-requisitos. “As expectativas mudam dependendo do nível de exigência, e com as mulheres conquistando cada vez mais espaço no mercado de trabalho, se torna cada vez mais difícil encontrar um parceiro que corresponda ao esperado”, lamenta Quinet.

Com motivos de sobra para justificar o espaço na cama, a solteirice vai deixando para trás o peso que carregava, e está longe de representar mulheres encalhadas e problemáticas. “Tenho um bom histórico de solteirice”, assume a publicitária Joana Bueno, sem vergonha. “Nunca precisei estar com alguém para estar feliz, mas sei que muitas mulheres não conseguem o mesmo”, reconhece. No outro extremo está sua melhor amiga, que só termina de um namoro quando tem outro em vista. “Ela nunca passou mais de dois meses desacompanhada, e quando fica com alguém, sempre acaba em namoro. Ou ela tem sorte de só conhecer homens maravilhosos, ou ela simplesmente não consegue ficar sozinha. Acho que a segunda hipótese é bem mais provável”, acredita.

Quinet concorda com o julgamento de Joana. “Mulheres que engatam um relacionamento no outro precisam de alguém para ser. É a falta de segurança da possibilidade dela ser por ela mesma no mundo, e isso não é um comodismo, mas uma neura. Como não desenvolve confiança nela mesma, depende do outro”, avalia. Waléria Gonzalez, psicoterapeuta, acredita que os valores da sociedade em que vivemos também influenciem um comportamento assim. “Vejo o  medo de estar sozinha relacionado a uma expectativa do meio social, que mesmo após tantas mudanças do papel feminino, ainda segue o modelo tradicional. Assim como ainda é um tabu a mulher que opta por não ser mãe, existe um preconceito em relação àquela que ficou pra titia. Como se o fato de estar sozinha fosse uma condição ad eternum, e não uma fase da vida da pessoa”, explica. E essa pressão só piora quando atinge-se a casa dos trinta. “É como se o príncipe tivesse que aparecer nessa idade, caso contrário, a moçoila estaria condenada à solidão eterna”, ironiza. Além das cobranças, ainda há um inegável declínio hormonal feminino nesta fase. “A questão dos 30 anos se dá pela pressão biológica, que é muito forte para a mulher. É um elemento real, que a pressiona nessa angústia. Se ela deseja ter filhos, precisa respeitar o deadline”, complementa Quinet.

Deixando de lado as teorias, de que adianta colocar os números na ponta do lápis se o tal ainda não surgiu? O melhor é seguir o exemplo do poeta, e cantar no mesmo tom de Cazuza: “Viver é bom nas curvas da estrada, solidão, que nada!”