Um engarrafamento, uma via monótona e horas de sono atrasadas. Some tudo isso ao cansaço de uma semana inteira de trabalho. O resultado é inevitável: uma forte sonolência, regada a bocejos consecutivos. Quem nunca deu aquela piscadela enquanto dirigia na volta para casa? Segundo pesquisa feita pela Fundação do Sono dos EUA (National Sleep Foundation), em 2009, 54% dos americanos passaram por isso. E, entre nós, o número não é muito diferente.
A sonolência é um estado fisiológico natural. Não podemos controlar quando temos sono e, por isso, a atenção deve ser redobrada. “Esse é o estágio inicial do sono. Quando os reflexos diminuem, os bocejos começam a aparecer e as pálpebras ficam pesadas”, descreve a neurologista Andrea Bacelar, da Academia Brasileira de Neurologia. Segundo ela, é impossível controlar o sono. “Porque é involuntário”, justifica.
Nosso corpo precisa de energia para viver e é justamente na hora do sono que os órgãos principais, como o cérebro, repõem as células dessa energia, chamadas de ATP, como explica Deniz Martinez, presidente da Associação Brasileira de Sono. “Quando a célula não tem mais ATP, ela simplesmente desliga. Como um celular que acabou a bateria“, compara o especialista, que também é autor do livro “Como vai seu sono?”. E a sonolência, continua ele, é comparada ao momento em que o celular avisa que a bateria está próxima do fim.
Apesar desses avisos, a maioria de nós insiste em manter o sistema funcionando. A agenda cheia de compromissos faz com que as horas na cama sejam sacrificadas e, para conseguir isso, alguns truques são usados. ” Ingerir bebidas com cafeína, como o café, por exemplo, pode auxiliar por um pequeno espaço de tempo, mas não irá dar fim ao sono”, adverte Bacelar. O efeito é breve e serve apenas para diminuir o hormônio da adenosina, que gera a sonolência, mas não substitui horas dormidas. “O resultado, muitas vezes, é pior: pode ser que o corpo adormeça sem avisar”, completa Martinez.
Um pequeno cochilo de três segundos ao volante pode ser fatal. Segundo Bacelar, dormir na direção é a terceira maior causa de mortes no trânsito no país, atrás apenas de guiar sob o uso do álcool e do excesso de velocidade. “Um motorista com sono é duas vezes mais perigoso do que um condutor embriagado”, compara. Os sinais são claros: dificuldade de manter o foco da visão, com piscar frequente; esquecer-se dos últimos quilômetros que percorreu; bocejar e esfregar os olhos repetidamente; deixar a cabeça pender para frente; e permitir que o carro saia da faixa de direção, invadindo o acostamento ou a pista contrária.
Mas quando identificar esse sono como um distúrbio? De acordo com Martinez, é motivo de preocupação quando a frequência das piscadelas é grande e em horas inapropriadas. “O que causa essa recorrência está diretamente ligada à qualidade ou à quantidade das horas de sono, que deve ser de oito horas, no mínimo”, destaca o neurologista.
Com experiência em analisar motoristas profissionais, o médico do trabalho Sérgio Carvalho e Silva aponta alguns comportamentos que também podem atrapalhar a direção, aumentando ainda mais sensação de sonolência. “Além de noites mal dormidas e excesso de jornada de trabalho, alguns fatores e hábitos pessoais como a obesidade e o costume de ingestão de refeições muito calóricas antes de pegar a estrada atrapalham”, lista.
Para o sono não pegar você de jeito, é importante evitar alguns horários críticos que o nosso organismo pede descanso. “Nós temos uma variação de temperatura corporal. De madrugada, a temperatura do nosso corpo diminui. Além disso, a falta de claridade diminui os reflexos e aumentam mais o sintoma”, diagnostica. “Entre 15h e 16h também é perigoso, pois a curva da temperatura corporal está baixa e devemos ficar atentos”, alerta. Atenção quando estiver próximo do destino final. “Nessas horas, costumamos relaxar e é mais fácil adormecer”, ensina.
E, contra isso, não adianta aumentar o som, jogar uma água na cara, nem abrir as janelas do carro. Os especialistas são unânimes em recomendar que não devemos pegar o carro. “Você estará assumindo um risco muito grande”, pondera Bacelar. Diferentemente do álcool, o sono não é uma opção e, por esse motivo, coloca em risco os outros condutores. “O motorista enxerga, mas não tem reflexos para reagir”, diz Martinez. O que fazer nessa hora? “Vale mais encontrar um lugar seguro para um breve cochilo do que continuar dirigindo e dormir ao volante, correndo o risco de não acordar nunca mais”, conclui Carvalho e Silva.