Sou deficiente e dirijo muito bem: história, dificuldades e obstáculos de quem chegou lá

Ana Paula Pires, de 33 anos, nasceu com mielomeningocele, uma malformação congênita da coluna vertebral que faz com que ela não tenha força nos membros inferiores. Apesar da dificuldade inicial, engana-se quem pensa que a deficiência foi uma barreira para ela, que é professora e bacherel em direito. Ao completar a maioridade, ela foi à luta, tirou a carteira de motorista, comprou o próprio carro e hoje faz bonito nas ruas de São Paulo. 

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Para ela, o carro traz liberdade. “Sempre me interessei muito por carros, desde criança. Eu tinha a consciência de que o carro era a minha perna e que eu precisaria dele para ter liberdade e me locomover sem precisar das outras pessoas”, diz.

Foi com esse pensamento que aos 18 anos Ana Paula procurou uma autoescola. Muitos centros de treinamento contam com carros adaptados para pessoas com deficiência, mas vale ressaltar que existem diferentes tipos de adaptação. O dela é do tipo mais básico, em que todo o controle dos pedais é feito nas mãos com a ajuda de alavancas colocadas junto ao volante.

Dificuldades

Ela, que adora dirigir, conta que a principal dificuldade que encontra no dia a dia é estacionar o veículo. “As pessoas não respeitam as vagas de deficiente, que já não são muitas. Elas esquecem que o cadeirante não tem outra opção. Se eu chego em um lugar e não tem vaga especial, tenho que ir embora. Não dá para sair do carro, preciso de espaço”, afirma.

Apesar de ter uma grande liberdade, Ana ainda precisa da ajuda de outras pessoas para entrar e sair do veículo. “Se vou sozinha a algum lugar, preciso que tenha alguém lá para me ajudar a descer do carro e pegar a cadeira. No estacionamento do trabalho, por exemplo, as pessoas me ajudam e na volta, alguém sempre me leva até o carro. Senão, não tem jeito”, diz. 

A professora diz que não sente preconceito no trânsito porque as pessoas não reparam que o carro é adaptado e que a motorista é uma cadeirante, mas que alguns olhares aparecem quando ela desce do veículo. “As pessoas têm medo de lidar com o deficiente, não sabem como agir”, explica.

Táxi para cadeirante

Ela também conta que, quando não pode ir dirigindo, pega carona com o pai ou chama um táxi, e sente a resistência de um ou outro motorista. “Muitos deles se incomodam. Não sabem o que fazer, resmungam que não têm onde colocar a cadeira e brigam do início ao fim da corrida. Outros levam numa boa”, diz.

Em algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, existem os táxis acessíveis para cadeirante. Normalmente são carros adaptados com plataformas de acionamento eletrônico. A cadeira vai presa e o passageiro viaja com toda a segurança necessária e, na maioria dos serviços, é possível agendar horário.

Quer seguir esse exemplo?

Se pudesse dar uma dica para as deficientes que ainda tiveram coragem de pegar o volante, Ana diria: “Está com medo? Vai com medo mesmo! Já é época do deficiente mostrar que também é um ser humano. Mostrar que não existe uma pessoa ‘normal’, cada uma tem suas características e peculiaridades. Não existe um ser no mundo igual ao outro. Então está mais do que na hora de alcançarmos nossos lugares no mundo”.

Ela ainda completa: “Dirigir é ser livre, é poder exercer seu direito de ir e vir. Se tem vontade, faça. Veja todo o caminho a percorrer, planeje e realize. Pode demorar o tempo que for, mas com objetivo se consegue tudo. Esse pensamento guia minha vida e meus objetivos”, finaliza.