Depoimentos de mulheres em diferentes contextos movimentaram as redes sociais nos últimos dias. Todas as histórias tinham em comum episódios de preconceito em consultórios médicos específicos, diagnósticos e comentários baseados exclusivamente nos pesos corporais das pacientes. Esse fatos revelaram o que se chamou de gordofobia médica.
Diante dessas histórias, é preciso questionar o que esse tipo de constrangimento traz para a saúde física e mental daquelas que testemunharam o fato, e o que já vem sendo feito, inclusive por especialistas, para combater esse tipo de conduta.
#GordofobiaMédica no Twitter
A criadora da hashtag foi a blogueira Flávia Durante, que publicou no Twitter uma situação preocupante vivenciada por uma amiga gorda, que estava prestes a dar à luz, vivendo um dos momentos mais importantes da vida, mas que ouviu um comentário lamentável do profissional da saúde presente no parto.
O médico perguntou ao colega se ele teria “anestesia para rinoceronte”. Revoltada com a situação, a blogueira passou a coletar depoimentos de mulheres através da hashtag para mostrar que essas situações eram mais comuns do que imaginamos.
O post original foi publicado no dia 27 de julho de 2018 e, desde então, mulheres estão relembrando nas redes sociais episódios constrangedores e difíceis que vivenciaram com maus profissionais.
Amiga gorda na mesa de parto, no momento mais feliz de sua vida, ouviu um médico comentando pro outro: "tem anestesia pra rinoceronte"? Tô com saco cheio de só falar de beleza, de magra biscoiteira e de discutir quem é plus size ou não, vamos falar mais de #gordofobiamédica
— Flávia Durante (@flaviadurante) July 27, 2018
Mais relatos de gordofobia médica no Twitter:
Tava lendo a #gordofobiamedica e queria contar um negócio aqui.
Sou chamada de gorda em duas situações: pela minha mãe ou por médicos.
Eu não sou magra, mas dizer que todos os meus problemas vem do IMC é um dos motivos da gente perder a vontade de marcar consulta.— Aline Bergamo (@AlineBergamo) July 30, 2018
Uma colega técnica lesionou o joelho no trabalho. Dor A-GU-DA. nunca teve dor no joelho antes.
O CARA MANDOU ELA EMAGRECER.
E DISSE pra ela continuar trabalhando (SOU PEDIATRA E SABIA QUE ERA LESÃO)
Ela foi em outro medico. Rompeu o ligamento. Por mau jeito#gordofobiamédica
— Bskyte (@brabul) July 27, 2018
https://twitter.com/manutf/status/1023266935117672449
https://twitter.com/Cabreirissima/status/1024241323161862145
A @flaviadurante falando de #gordofobiamédica e isso é muito real. Quando estava com 100kg, já ouvi de psiquiatra, alergista e dermatologista que meus problemas acabariam se eu emagrecesse. Sério!
— Iris Figueiredo (@irisfigueiredo) July 27, 2018
O que é gordofobia?
A gordofobia é uma forma de discriminar, estigmatizar e desvalorizar pessoas gordas e seus corpos, nos mais variados contextos e situações sociais, se manifestando de maneira segregadora em ações cotidianas.
Segundo o Ministério da Saúde, em 2017, 18,9% da população brasileira estava obesa e mais da metade estava acima do peso recomendado. De acordo com a antropóloga Beatriz Klimeck, esse número está crescendo e a sociedade se preocupa mais em condenar esses corpos, do que analisar as causas do ganho de peso.
“A gente não pensa no que está causando isso. Não passamos fome como antigamente, a oferta de alimento é maior, mas a má alimentação e a nova rotina cheia de estresse são questões de saúde muito sérias que podem causar esse ganho de peso”, diz a antropóloga.
Para agravar o problema, a mídia e as redes sociais ajudam a difundir um ideal de corpo perfeito, magro e supostamente saudável. O que nem sempre é verdadeiro, como explica a Dra. Amanda Menezes, psicóloga do GRECCO (Grupo de Estudos em Comer Compulsivo e Obesidade), do Ambulim, programa do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.
“A nossa sociedade é bombardeada por estímulos que levam à compreensão de que o corpo magro é o ideal, mas não explicam que não é saudável ser magro a qualquer custo. Há pessoas pagando um preço muito alto para serem magras, e não me refiro ao custo financeiro, é um custo psíquico, emocional, e também físico. Ao mesmo tempo, não necessariamente uma pessoa com sobrepeso ou obesidade está com a saúde ruim, é preciso levar em consideração o estilo de vida das pessoas e o que elas estão chamando de cuidado e saúde”, pontua Amanda.
Se por um lado temos um aumento das taxas de obesidade e do outro a difusão de ideal de corpo perfeito magro, não é de se espantar que o preconceito nos consultórios provoque tanta discussão e constrangimento.
“Se a medicina continuar dizendo que um corpo gordo é um corpo doente, as pessoas vão continuar se sentindo legitimadas a odiar o corpo gordo. Eu acredito ser um ódio à estética gorda, que se esconde em forma de problemas de saúde. Você fala que todos os exames daquela pessoa estão bons, que não tem motivo para ela mudar o corpo e, mesmo assim, manda a pessoa emagrecer”, finaliza Beatriz.
Como a gordofobia médica pode afetar o paciente?
De acordo com a psicóloga Cecília Dassi, passar por uma situação vexatória com um profissional da saúde pode causar problemas ainda mais sérios de autoestima em quem está acima do peso e já sofre preconceito.
“Uma pessoa que busca ajuda por estar com sintomas de qualquer tipo está vulnerável e, geralmente, colocamos os médicos em uma posição de suposto saber: o que é dito por um, é tido como verdade absoluta. Ao passar por uma situação de humilhação com um profissional de saúde, a pessoa acredita que merece aquilo. É preciso estar emocionalmente muito saudável e fortalecido para não se abalar, entender que o errado na situação é o profissional e procurar outro médico”, explica.
até hoje eu tenho pavor de ir em médico, é terrível você ir procurar ajuda de um médico e ele dizer que se eu emagrecer aquela doença vai sumir, sendo que uma coisa não tem nada a ver com a outra. #gordofobiamédica
— day (@_loath) July 28, 2018
A profissional alerta que discriminar uma pessoa por conta do peso pode afetar toda sua vida pessoal, dificultar ações do dia a dia e até a socialização. A sensação de inadequação na sociedade é destrutiva, causa angústia, ansiedade e solidão, e é mais difícil assim construir relações saudáveis, conseguir emprego, etc.
A longo prazo, indivíduos que passam por situações constantes de preconceito podem sofrer consequências psíquicas graves, como um comportamento alimentar prejudicado, a exemplo do comer transtornado e introdução em ciclos de dietas restritivas e remédios para emagrecer.
“Nossa autoestima é construída a partir da nossa percepção sobre nós mesmos. Me conhecendo e descobrindo meu potencial, vou desenvolvendo respeito por mim mesmo. Uma pessoa que não enxerga valor em si mesmo, que não se respeita, raramente vai conseguir se engajar em comportamentos saudáveis de autocuidado e de auto-responsabilidade”, finaliza Cecília.
A Dra. Amanda Menezes, do Ambulim, ainda alerta para uma piora no quadro clínico do paciente em relação a algum possível transtorno alimentar. “Depois de um tratamento gordofóbico, algumas pessoas acabam tendo como reação buscar comer ainda mais para ‘aplacar’ o desconforto que a situação gerou, ou então passam a fazer algum tipo de restrição alimentar importante, buscando o que chamo de perder peso a qualquer custo. Nenhum desses caminhos passa pela saúde e, além disso, a abordagem gordofóbica muitas vezes afasta o paciente do acompanhamento médico, já que ele não se sente acolhido”, afirma.
Apesar de tudo, a psicóloga traz alento ao dizer que recuperar a autoestima e o respeito ao próprio corpo, na maior parte das vezes, é um processo difícil e demorado, mas possível, e que vivemos um bom momento para isso, com algumas iniciativas que podem ajudar.
“Atualmente há um movimento muito bacana de pessoas abordando esse assunto, tentando desconstruir a idealização sobre a magreza e peso corporal. Além disso, algo que pode ser feito no dia a dia é começar a olhar para si além do peso, olhar para outros aspectos, perceber a identidade enquanto sujeito. Isso vai muito além da imagem corporal”, diz Amanda.
Saúde size friendly
Pensando na realidade enfrentada por pacientes considerados acima do peso em consultórios e hospitais, as nutricionistas Inty Davidson e Roberta Stella se uniram para fazer um cadastro de profissionais de saúde size friendly, chamado ” Eu Indico“.
Os profissionais da saúde size friendly têm uma abordagem importante. “Eu costumo usar o termo ‘ nutrição acolhedora‘. Não vou pensar que o peso é o maior determinante da saúde do meu paciente ou cobrar isso dele”, explica Inty sobre a abordagem.
O objetivo do profissional size friendly é ver a saúde do paciente de maneira global e não focar no peso. “Precisamos pensar como a pessoa magra é julgada como saudável e, na verdade, pode não estar, mas por conta de seu peso considerado normal outras doenças não são investigadas. Não devemos desconsiderar que o problema é por conta do peso, mas ele não é a única solução da pessoa, que deve ir em busca desses profissionais que não medem o peso como único indicador de saúde”, defende Inty.
A nutricionista Roberta Stella indica algumas atitudes profissionais que seguem os pilares da saúde em todos os tamanhos.
– Escutar a história de cada paciente;
– Mais empatia no tratamento;
– Visão ampliada sobre a saúde;
– Incentivar a melhora da qualidade alimentar (o que não significa passar dieta);
Ao contrário dos médicos que repreendem o paciente pelo peso e podem agravar a sua relação com a alimentação, o profissional com a abordagem size friendly pode ajudar o indivíduo em sua relação com o corpo.
“Uma abordagem que aceita e respeita a diversidade de corpos, rejeita a idealização de que todo corpo gordo padece de doença, leva ao incentivo de atitudes positivas para a saúde e o bem-estar. Incentiva o paciente a buscar o autocuidado e a melhorar comportamentos que impactarão positivamente na saúde dele”, explica Roberta.
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